Catarina Martins
(Diário de Coimbra, 12 de Fevereiro de 2008)
Em 7 de Fevereiro, o vereador Marcelo Nuno publica um artigo, em que, com referência a artigo que publiquei em 31/1 no JN, mereci os epítetos de autora de “uma patranha” que, através de um “arrazoado de conclusões”, assentes “numa pretensa diminuição das verbas destinadas à cultura no orçamento de 2008”, pretendem “demonstrar que a Câmara Municipal despreza a cultura.” Dados os mimos com que me prodigaliza, senhor vereador, não posso deixar de lhe responder.
O ataque do vereador das finanças da Câmara de Coimbra (CMC) não visa exclusivamente a mim, mas os autores de um manifesto em defesa da cultura em Coimbra, e assinado por “amigos da cultura”. Designam-se assim estes cidadãos, evocando o tratamento insultuoso de que foram vítimas, por parte do Presidente da Câmara, há dois anos, quando, com um manifesto semelhante, criticaram a política camarária na área da cultura. O mesmo acontece agora com Marcelo Nuno, que insulta “um qualquer grupo de cidadãos (por mais numeroso que seja o grupo e por mais ilustres que sejam os seus membros)”. Falamos, nesta altura, de um milhar de cidadãos, entre os quais, a maioria dos agentes culturais da cidade.
De há muito, no que diz respeito à cultura, o executivo de Carlos Encarnação recorre à mesma argumentação insustentável, sobejamente refutada, e da qual Marcelo Nuno não passa de um medíocre eco: política cultural é, para a CMC, sinónimo de infra-estruturas, onde, segundo afirmações falaciosas, a autarquia teria investido exemplarmente. Os tais “amigos” não passam de elites culturais que desprezam a cultura popular e amadora e defendem a “subsídio-dependência”. Como é óbvio, nada disto corresponde à verdade.
O que incomodou o vereador foi a publicação, no meu artigo, de gráficos comparativos da dotação da cultura nas Grandes Opções do Plano da Câmara de Coimbra para 2007 e 2008. Tal é o efeito do “preto no branco”. Ora, os números que apresentei são aqueles que constam do orçamento camarário, consultáveis no site da CMC, pelos quais o próprio Marcelo Nuno é responsável, e que traduzem inequivocamente uma redução em mais de 50% do orçamento para a cultura, de 2007 para 2008. Quanto à base de comparação, tem razão o senhor vereador, quando afirma que em causa deveria estar a execução e não o orçamento. Porém, de cada vez que a Assembleia Municipal (AM) é chamada a apreciar o orçamento camarário, os deputados da oposição exigem ao vereador os dados da execução, que Marcelo Nuno jamais apresentou. Até à prestação de contas, em Abril, estes dados são do seu conhecimento exclusivo. Por esta razão, a apreciação da AM só pode basear-se na comparação com o orçamento anterior. É esta a única comparação legítima, a mesma que apresentei no meu artigo. Quanto à “transparência e rigor” na gestão da autarquia, enquanto as contas forem do segredo do seu Olimpo de barro, senhor vereador, estamos conversados.
Faz-me então Marcelo Nuno “o gosto” de comparar orçamentos, destacando a rubrica “espaços culturais”, aquela que regista maior diminuição em relação a 2007. Nesta deveria estar contemplada a verba para o funcionamento dos equipamentos culturais municipais, o que não acontece. Pergunto-lhe como pretende que estes funcionem. É que não basta construir paredes. É preciso estabelecer objectivos, definir programação, e assegurar as condições para a respectiva concretização.
Diz ainda o vereador que a redução de verbas no orçamento da cultura resulta de a Casa da Escrita surgir na rubrica do Centro Histórico. Não leu o que escrevi: dando de barato que este investimento pudesse estar na Cultura (apesar de surgir no Centro Histórico há vários anos), afirmei que, mesmo assim, os cortes orçamentais seriam de 15% em relação ao ano anterior, e 64% em relação a 2004. O aumento de que fala diz respeito somente a este investimento em particular, e não ao orçamento da cultura, como o vereador bem sabe, pelo que não é minha a tentativa de “iludir a opinião pública”.
De resto, o vereador afirma que se deve ao PSD a construção do Teatro da Cerca de S. Bernardo e da Oficina Municipal do Teatro, o que aconteceu ainda no mandato de Manuel Machado (PS), e enumera uma série de supostos investimentos em infra-estruturas, das quais a única novidade é a menção de “sedes [de quê?] e museus espalhados pelo concelho”. Ecoando, novamente, a retórica pacóvia das elites que rejeitam a cultura popular, Marcelo Nuno pretende imputar-me desprezo pelos agentes culturais amadores. Ora, estamos a falar de uma Câmara que recusou mil euros (!) a um projecto de formação de amadores na área do teatro, promovido pela Direcção Regional da Cultura do Centro, em que outros municípios muito menores participaram de forma significativa, dada a relevância manifesta do mesmo. Isto é: para Marcelo Nuno, dota-se os amadores de “sedes”. Se, depois, ali há actores e encenadores ou não, pouco importa. E se estes desejam e precisam de formação, importa ainda menos. Estão à vista a patranha do amor pelo amadorismo, personificado pelo vereador da cultura, bem como, mais uma vez, uma “política de paredes”. Ou seja, tantas (?) infra-estruturas, sem que a própria Câmara saiba para que servem, em que estratégia se inserem, sem que o executivo camarário tenha ideias, sequer vontade, de as pôr a funcionar, a agir, a produzir. O Teatro da Cerca de S. Bernardo, que o executivo PSD ainda nem logrou inaugurar, é disso o melhor exemplo: antes de entrar em efectivo funcionamento, tem de beneficiar de obras de melhoramento, devidas às trapalhadas relativas à construção e ao equipamento, de responsabilidade partilhada pelos executivos PS e PSD.
Não fazem parte do vocabulário nem de Marcelo Nuno, nem da Câmara (veja-se, por exemplo, o Plano Estratégico da Cidade de Coimbra para a área da cultura) as palavras arte, criação artística, teatro (a não ser enquanto edifício), música, dança, artes plásticas e visuais, formação de públicos, ensino e formação artísticos, etc. Jamais terão reflectido sobre o papel da cultura no desenvolvimento da cidadania e no incremento da democracia (conceitos dos quais Encarnação e Marcelo Nuno têm uma noção consonante com a sua forma de estar na política, a qual lhes permite desprezar um movimento cívico, como o dos “amigos”). Mas devia interessar a um vereador das finanças, e mormente a um executivo camarário a quem cabe desenhar um rumo para a cidade, o conceito de indústria criativa, um sector de actividade, assente na cultura, que é responsável por 2,6% do PIB da EU, gerador de milhões de empregos em toda a Europa (3,1% do total) e, em Portugal, pela criação de 1,4% da riqueza nacional produzida. É disto que falo, quando falo de política cultural e da sua relevância determinante para Coimbra como estratégia de desenvolvimento. Algo de substancialmente diferente da acção errática desta Câmara que, ao contrário do que afirma o senhor vereador, não garante o futuro e desbarata o passado e o presente.
(Diário de Coimbra, 12 de Fevereiro de 2008)
Em 7 de Fevereiro, o vereador Marcelo Nuno publica um artigo, em que, com referência a artigo que publiquei em 31/1 no JN, mereci os epítetos de autora de “uma patranha” que, através de um “arrazoado de conclusões”, assentes “numa pretensa diminuição das verbas destinadas à cultura no orçamento de 2008”, pretendem “demonstrar que a Câmara Municipal despreza a cultura.” Dados os mimos com que me prodigaliza, senhor vereador, não posso deixar de lhe responder.
O ataque do vereador das finanças da Câmara de Coimbra (CMC) não visa exclusivamente a mim, mas os autores de um manifesto em defesa da cultura em Coimbra, e assinado por “amigos da cultura”. Designam-se assim estes cidadãos, evocando o tratamento insultuoso de que foram vítimas, por parte do Presidente da Câmara, há dois anos, quando, com um manifesto semelhante, criticaram a política camarária na área da cultura. O mesmo acontece agora com Marcelo Nuno, que insulta “um qualquer grupo de cidadãos (por mais numeroso que seja o grupo e por mais ilustres que sejam os seus membros)”. Falamos, nesta altura, de um milhar de cidadãos, entre os quais, a maioria dos agentes culturais da cidade.
De há muito, no que diz respeito à cultura, o executivo de Carlos Encarnação recorre à mesma argumentação insustentável, sobejamente refutada, e da qual Marcelo Nuno não passa de um medíocre eco: política cultural é, para a CMC, sinónimo de infra-estruturas, onde, segundo afirmações falaciosas, a autarquia teria investido exemplarmente. Os tais “amigos” não passam de elites culturais que desprezam a cultura popular e amadora e defendem a “subsídio-dependência”. Como é óbvio, nada disto corresponde à verdade.
O que incomodou o vereador foi a publicação, no meu artigo, de gráficos comparativos da dotação da cultura nas Grandes Opções do Plano da Câmara de Coimbra para 2007 e 2008. Tal é o efeito do “preto no branco”. Ora, os números que apresentei são aqueles que constam do orçamento camarário, consultáveis no site da CMC, pelos quais o próprio Marcelo Nuno é responsável, e que traduzem inequivocamente uma redução em mais de 50% do orçamento para a cultura, de 2007 para 2008. Quanto à base de comparação, tem razão o senhor vereador, quando afirma que em causa deveria estar a execução e não o orçamento. Porém, de cada vez que a Assembleia Municipal (AM) é chamada a apreciar o orçamento camarário, os deputados da oposição exigem ao vereador os dados da execução, que Marcelo Nuno jamais apresentou. Até à prestação de contas, em Abril, estes dados são do seu conhecimento exclusivo. Por esta razão, a apreciação da AM só pode basear-se na comparação com o orçamento anterior. É esta a única comparação legítima, a mesma que apresentei no meu artigo. Quanto à “transparência e rigor” na gestão da autarquia, enquanto as contas forem do segredo do seu Olimpo de barro, senhor vereador, estamos conversados.
Faz-me então Marcelo Nuno “o gosto” de comparar orçamentos, destacando a rubrica “espaços culturais”, aquela que regista maior diminuição em relação a 2007. Nesta deveria estar contemplada a verba para o funcionamento dos equipamentos culturais municipais, o que não acontece. Pergunto-lhe como pretende que estes funcionem. É que não basta construir paredes. É preciso estabelecer objectivos, definir programação, e assegurar as condições para a respectiva concretização.
Diz ainda o vereador que a redução de verbas no orçamento da cultura resulta de a Casa da Escrita surgir na rubrica do Centro Histórico. Não leu o que escrevi: dando de barato que este investimento pudesse estar na Cultura (apesar de surgir no Centro Histórico há vários anos), afirmei que, mesmo assim, os cortes orçamentais seriam de 15% em relação ao ano anterior, e 64% em relação a 2004. O aumento de que fala diz respeito somente a este investimento em particular, e não ao orçamento da cultura, como o vereador bem sabe, pelo que não é minha a tentativa de “iludir a opinião pública”.
De resto, o vereador afirma que se deve ao PSD a construção do Teatro da Cerca de S. Bernardo e da Oficina Municipal do Teatro, o que aconteceu ainda no mandato de Manuel Machado (PS), e enumera uma série de supostos investimentos em infra-estruturas, das quais a única novidade é a menção de “sedes [de quê?] e museus espalhados pelo concelho”. Ecoando, novamente, a retórica pacóvia das elites que rejeitam a cultura popular, Marcelo Nuno pretende imputar-me desprezo pelos agentes culturais amadores. Ora, estamos a falar de uma Câmara que recusou mil euros (!) a um projecto de formação de amadores na área do teatro, promovido pela Direcção Regional da Cultura do Centro, em que outros municípios muito menores participaram de forma significativa, dada a relevância manifesta do mesmo. Isto é: para Marcelo Nuno, dota-se os amadores de “sedes”. Se, depois, ali há actores e encenadores ou não, pouco importa. E se estes desejam e precisam de formação, importa ainda menos. Estão à vista a patranha do amor pelo amadorismo, personificado pelo vereador da cultura, bem como, mais uma vez, uma “política de paredes”. Ou seja, tantas (?) infra-estruturas, sem que a própria Câmara saiba para que servem, em que estratégia se inserem, sem que o executivo camarário tenha ideias, sequer vontade, de as pôr a funcionar, a agir, a produzir. O Teatro da Cerca de S. Bernardo, que o executivo PSD ainda nem logrou inaugurar, é disso o melhor exemplo: antes de entrar em efectivo funcionamento, tem de beneficiar de obras de melhoramento, devidas às trapalhadas relativas à construção e ao equipamento, de responsabilidade partilhada pelos executivos PS e PSD.
Não fazem parte do vocabulário nem de Marcelo Nuno, nem da Câmara (veja-se, por exemplo, o Plano Estratégico da Cidade de Coimbra para a área da cultura) as palavras arte, criação artística, teatro (a não ser enquanto edifício), música, dança, artes plásticas e visuais, formação de públicos, ensino e formação artísticos, etc. Jamais terão reflectido sobre o papel da cultura no desenvolvimento da cidadania e no incremento da democracia (conceitos dos quais Encarnação e Marcelo Nuno têm uma noção consonante com a sua forma de estar na política, a qual lhes permite desprezar um movimento cívico, como o dos “amigos”). Mas devia interessar a um vereador das finanças, e mormente a um executivo camarário a quem cabe desenhar um rumo para a cidade, o conceito de indústria criativa, um sector de actividade, assente na cultura, que é responsável por 2,6% do PIB da EU, gerador de milhões de empregos em toda a Europa (3,1% do total) e, em Portugal, pela criação de 1,4% da riqueza nacional produzida. É disto que falo, quando falo de política cultural e da sua relevância determinante para Coimbra como estratégia de desenvolvimento. Algo de substancialmente diferente da acção errática desta Câmara que, ao contrário do que afirma o senhor vereador, não garante o futuro e desbarata o passado e o presente.