(Diário As Beiras, 12 de Fevereiro de 2008)
A carta “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura”, quer a Autarquia de Coimbra queira quer não é sintoma de um grande mal-estar. E portanto muita coisa não está a correr bem. E devia correr. Não adianta trocar acusações, e haverá motivos de parte a parte. Mas o que interessa saber é onde está a origem do mal-estar, onde é que a coisa emperra. Não para encontrarmos culpados mas para ultrapassar a situação. Porque um problema destes tem de ser resolvido.
Compete aos políticos resolver problemas, mas parece-nos às vezes ser ao contrário, ilustrando a ideia de Woody Allen segundo a qual os políticos são as pessoas que transformam as soluções em problemas. A ideia, embora nos faça rir é para levar a sério porque vai ao fundo de certos políticos. De certos aprendizes da política, dos que estão sempre a pensar nas vantagens pessoais, que parasitam o povo e são um empecilho, um cancro para a causa pública. E daqueles, diferentes na moral mas idênticos nos resultados que, cheios de vento e de responsabilidade, se multiplicam em actividades controladoras, e querendo pôr o mundo à medida da sua cabeça, se colocam no caminho de toda a gente a fazer de sinaleiros e engarrafam logo o trânsito provocando businaria geral.
Com a sua irreverência Woody Allen revela alguns dos problemas que mais nos atrofiam. Basta pensar na incessante vigilância sobre nós com despachos, circulares, ofícios, decretos, posturas, diplomas, normativos, pareceres, adendas, emendas e revogações de certos serviços públicos. E o desespero de todos os que têm que interpretar, articular e aplicar tais teias gastando nisso a alma e a competência. Querer controlar tudo, mesmo o que funciona bem e tem à frente gente competente e de qualidade é uma das causas da nossa mediocridade.
De facto os políticos existem para resolver os problemas e fazerem andar as coisas, dentro da legalidade, rentabilizando e racionalizando recursos, qualificando pessoas e instituições mediante objectivos bem traçados e apoiando quem merece. Estamos fartos de o saber, mas nunca é demais repetir. Contudo, tanto o aprendiz como o político sabido interiorizaram uma importância que lhes enche peito e cabeça de um dever que por vezes não é mais que gosto de mando, excitação erótica diferida e só serve para os transformar em transtorno público. Como um mecânico que em vez de lubrificar os motores se entretivesse a gripá-los, ou um cantoneiro cujo trabalho fosse colocar pedras no meio da estrada. E como naquele célebre poema do Carlos Drummond de Andrade, qual o peso de uma pedra na vida de uma pessoa? E de uma cidade?
“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida das minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra.
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra”.
De modo que acabamos a perguntar o que predomina nesta política de trazer por casa: Se soluções para os problemas, se problemas para as soluções que estavam à mão e sem necessidade se complicaram. Por culpa de certas cabeças, o absurdo é frequentemente mais vulgar que a vulgaridade. Terrível evidência.