Manuel Portela: "O projecto que concebi tinha um grande potencial de desenvolvimento"

O ex-director do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) faz o “balanço possível” do seu mandato e reconhece que o problema do teatro está “na contradição entre uma definição restrita e uma definição lata da sua função universitária”.


Que balanço faz do mandato?
Que balanço posso fazer? Tentei, e falhei. Não vejo outro balanço possível. Quem tenta corre sempre esse risco. O projecto que concebi tinha um potencial grande de desenvolvimento e, com as condições essenciais, demoraria pelo menos mais duas temporadas a consolidar-se de forma irreversível. Sem essas condições, era impossível progredir para o patamar seguinte. É preciso que se perceba que se tratava de um modo de gestão artística original em que o modo de organização do trabalho da instituição era pensado de forma integrada com a própria programação. Essa foi uma das formas particulares que o projecto tomou: a ligação entre gestão artística e gestão do trabalho. O TAGV não é apenas a programação: é também o modo de produção que permite concretizar a programação. A outra originalidade estava na valorização da produção própria, isto é, da capacidade de conceber e organizar projectos exclusivos e originais, em todas as disciplinas.

É o quarto director a demitir-se do cargo, pensa que é um problema estrutural do TAGV?
A origem do problema está provavelmente na contradição entre uma definição restrita e uma definição lata da sua função universitária. A sua missão é definida pelo regulamento nestes termos: «O Teatro Académico de Gil Vicente é um estabelecimento da Universidade de Coimbra, que funciona na dependência directa do Reitor e desenvolve as suas actividades no domínio da arte e da cultura, ao serviço da Universidade, da Academia, da cidade de Coimbra e da sua Região. Incumbe ao TAGV: a) promover a realização de espectáculos e outras manifestações de índole cultural e artística; b) proporcionar à Associação Académica de Coimbra, às suas Secções e aos Organismos Autónomos um espaço adequado à apresentação pública das suas actividades artísticas e culturais.» Se a concretização da missão definida na alínea b) não é problemática, o mesmo já não se pode dizer da missão contida na alínea a), que, conjugada com a ideia de serviço à cidade e à região, remete para uma definição lata da sua função universitária. Ora esta função, para ser bem realizada, implica não só o conhecimento técnico e artístico das artes cénicas contemporâneas, mas uma capacidade financeira que esteja de acordo com a realidade da economia de produção de espectáculos actual. Exemplifico: a relação receita/despesa em espectáculos de dança contemporânea, por exemplo, é geralmente de 1 para 5; em recitais a solo de música erudita é de 1 para 4; em espectáculos de teatro é de 1 para 4 ou de 1 para 3. Isto significa que é necessária uma verba exclusivamente para programação, bastante acima das receitas geradas, para sustentar uma programação contínua estruturada. Voltando à pergunta: parte do problema está, de facto, na contradição entre a estrutura de financiamento e a definição lata da sua missão universitária. Esta definição lata informava também a racionalidade do projecto que eu estava a tentar consolidar, e que concebia o TAGV como instrumento de uma política universitária de ensino, investigação e experimentação artística. O que implicava incorporar na sua conceptualização quer o contexto actual de grande incremento da produção artística em todas as disciplinas, quer o contexto de reformas curriculares e científicas que visam valorizar o ensino e a investigação das artes na UC.

Os seus antecessores ao demitirem-se invocaram condicionantes financeiras. Conhecia esta situação quando assumiu o cargo?
Sim. Mesmo sabendo que a situação não era a ideal, construí, com todos os trabalhadores do TAGV, um projecto que julguei suficiente para justificar a alteração nas nossas condições de produção. Por outras palavras: tentei mostrar publicamente que aquilo que estávamos a fazer merecia as condições identificadas como necessárias. A regra para promover a excelência é muito simples: “quem faz melhor, merece mais”. Mas não foi aplicada no caso em apreço.


Ângela Monteiro e Pedro Crisóstomo, A Cabra, 3 de Abril de 2008.