Manuel Portela apresenta as razões que o levaram a abandonar o cargo de director e acusa a Câmara Municipal de Coimbra e o Ministério da Cultura de discriminarem o teatro.
Depois da demissão do cargo de director do Teatro Académico de Gil Vicente, Manuel Portela falou à A CABRA, via e-mail, para explicar a razões que o levaram a abandonar a direcção do teatro. As dificuldades económicas que o estabelecimento tem vindo a atravessar, o balanço dos dois anos e meio que passou à frente direcção e a nova Fundação Cultural da Universidade de Coimbra (UC) são outros dos temas da entrevista.
Quais as razões que o levaram a demitir-se do cargo?
Durante dois anos e meio tentei reunir as condições que me pareciam imprescindíveis. Na avaliação das circunstâncias da demissão, não deve portanto ser esquecido que essas condições nunca estiveram inteiramente reunidas. O projecto de reorganização de todas as práticas de trabalho e de estruturação integral da programação do TAGV, que estava a ser aplicado plenamente este ano, pressupunha que todas as condições identificadas estivessem finalmente reunidas em 2007-2008 para que não houvesse qualquer retrocesso aos impasses e dilemas anteriores. Ora isso não aconteceu: continuam a não existir os meios específicos que permitiriam consolidar o projecto que estava em curso. No final da temporada 2005-2006, apresentei ao Senado da UC um relatório intitulado “A meio caminho e a meio gás”, no qual caracterizava a situação do TAGV nessa data e mostrava os objectivos do projecto em curso. Esse relatório incluía um pequeno estudo comparativo (abrangendo cinco instituições congéneres) que mostrava o sub-financiamento do TAGV. Cito o parágrafo final desse relatório: «Os órgãos de governo da Universidade e as Faculdades devem decidir se querem realmente continuar a ter um Teatro. Devem decidir, designadamente: a) se querem ter um Teatro que tente aproximar-se da criação contemporânea e que consiga programar alguns dos melhores intérpretes e criadores nacionais e internacionais nas várias disciplinas, sem descurar a função de apoiar a criação e as práticas artísticas universitárias e locais; b) se querem ter um Teatro com grande capacidade de produção e de co-produção, seja de festivais, ciclos, mostras ou de projectos e encomendas próprias; c) se querem ter um Teatro com capacidade para educar através da arte; d) se querem ter um Teatro cujo edifício e equipamento se mantenham nas melhores condições de utilização; e) se querem ter um Teatro que seja um serviço público.» Embora o projecto que construí ao longo destes dois anos e meio seja uma forma de responder sim àquelas cinco perguntas, as condições orçamentais e de funcionamento não permitiram de facto dar aquela resposta de forma inequívoca. Apesar do esforço adicional da Reitoria da UC em não fazer repercutir os cortes sofridos pela UC no orçamento do TAGV em 2007, a situação de partida era já de sub-financiamento crónico para qualquer projecto de programação digno desse nome. Por outro lado, é preciso não esquecer a ostensiva discriminação negativa do TAGV, feita quer pelos dirigentes da Câmara Municipal de Coimbra, quer pelos dirigentes nacionais do Ministério da Cultura. Qualquer daquelas entidades deveria reconhecer o serviço público prestado pelo TAGV e contribuir para o seu orçamento numa proporção equivalente à proporção do serviço prestado. O apoio da Câmara Municipal de Coimbra em 2006, 2007 e 2008 foi de zero por cento. O apoio do Ministério da Cultura em 2006, 2007 e 2008 foi de zero por cento (se excepturamos a co-organização do «Coimbra em Blues» com a Direcção Regional da Cultura do Centro). Ainda que o TAGV não possa concorrer aos apoios consagrados no enquadramento jurídico actual (Decreto-lei n.º 225/2006), teria sido possível um despacho ministerial que, reconhecendo o valor cultural do trabalho realizado, apoiasse a título excepcional o Teatro enquanto a Fundação Cultural da UC não era criada. Foi isso mesmo que solicitei à Ministra anterior pelo menos 4 vezes, mostrando-lhe através do relatório de actividades realizadas o serviço público prestado pelo TAGV no domínio das artes. Quanto à Câmara Municipal de Coimbra, a coisa mais inteligente que se oferece dizer ao seu presidente, frequentador assíduo do TAGV, é que a programação é má. Infelizmente, os dirigentes municipais que temos usam o poder de decidir como se fosse um privilégio pessoal e esquecem-se de que a sua função é imaginar o que é o bem comum e apoiar aqueles que, na comunidade, trabalham com esse objectivo. Apesar de tudo o que fiz para mostrar publicamente o projecto ambicioso que estava em construção, não consegui que o TAGV merecesse a atenção daqueles que têm o poder de decidir. A conclusão que posso tirar destes esforços é a de que a maior parte dos decisores políticos são meros burocratas: o conteúdo artístico e a importância social dos projectos não lhes interessa verdadeiramente. Escolhê-los para nos dirigirem é desperdiçar o direito de votar.
Ângela Monteiro e Pedro Crisóstomo, A Cabra, 3 de Abril de 2008.
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