Manuel Portela: "Consegui apenas começar a cumprir os objectivos"

Portela reconhece não ter conseguido levar a cabo o projecto ambicioso que tinha para o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), e reforça que a sua demissão não está relacionada com a criação da Fundação Cultural da Universidade de Coimbra (UC).


A reitoria emitiu um comunicado onde elogia o seu trabalho enquanto director. Acha que, apesar das condicionantes financeiras, conseguiu cumprir os objectivos a que se propôs no início do mandato?
Consegui apenas começar a cumprir os objectivos. Para os cumprir plenamente seria necessário ter continuado como director e ter conseguido as condições necessárias para passar à fase seguinte, que consistia numa estruturação e calendarização integral previa da temporada (feita de acordo com os critérios artísticos e laborais já formalizados nas duas temporadas anteriores), e no cumprimento integral dessa estruturação e calendarização prévias. Sem estes dois pré-requisitos, os objectivos nunca se poderão alcançar e o potencial daquilo que concebi ficará por concretizar. É preciso ainda que se diga que o projecto que estava a tentar pôr de pé no TAGV era ambicioso, mas não estava desajustado da realidade. Era um projecto inteiramente consciente da especificidade universitária e local da instituição, e bem informado pelos custos de funcionamento e programação de instituições similares. Como consta da introdução ao relatório anual 2006-2007, a análise comparativa do número de espectadores e das receitas revela que tanto o número de espectadores, como as receitas do TAGV aumentaram relativamente aos dois anos anteriores, o que mostra que o novo padrão de programação tinha também o apoio do público. Não se trata, como por vezes acontece, de uma programação desligada do seu contexto de recepção local. Era, além disso, um projecto que estava a ser construído passo a passo, de forma gradual e sistemática, com uma grande consciência crítica de si mesmo e bem informado pelo contexto nacional e internacional.

A sua demissão está de alguma forma relacionada com a criação de uma Fundação Cultural da Universidade de Coimbra, na qual o TAGV tem assento directo?
A decisão de demissão não tem qualquer relação com a criação da Fundação Cultural da UC. Decorre apenas, como referi, de não ter conseguido reunir desde já as condições imprescindíveis para consolidar o projecto de gestão e de programação que concebi e comecei a pôr em prática nos últimos dois anos e meio. O horizonte futuro de um eventual apoio sustentado do Ministério da Cultura à Fundação Cultural da UC que possa beneficiar o TAGV é ainda remoto no tempo e incerto no significado dos montantes que vierem a ser atribuídos para o orçamento global do TAGV. E, sobretudo, de nada serve a um projecto em curso cuja consolidação teria de ser imediata e incremental.

Pensa que o TAGV compete de forma desigual com as instituições privadas ao nível da programação e da gestão?
Sim, na medida em que tem tentado definir-se não como um teatro universitário num sentido estrito, mas sim no sentido lato que referi anteriormente. Ao realizar uma função municipal e uma função pública, que decorrem dessa função universitária em sentido lato, sofre uma discriminação negativa se o seu orçamento tem de ser garantido apenas pela Universidade. Recorde-se que a Universidade não recebe qualquer dotação específica para o TAGV. Apesar de ter criado um programa de mecenato no TAGV em Outubro de 2006, também não consegui qualquer parceria com entidades privadas de Coimbra que pudesse diversificar as fontes de financiamento. Não existe qualquer sensibilidade entre os dirigentes das empresas para o valor social das actividades artísticas.


Ângela Monteiro e Pedro Crisóstomo, A Cabra, 3 de Abril de 2008.