Agentes culturais e personalidades da cidade juntaram-se a centenas de pessoas, num abaixo-assinado contra a política cultural da autarquia. Carlos Encarnação defende-se das críticas e acusa algumas instituições culturais de "subsdídio-dependência"
“Pelo direito e pelo dever à cultura” é o título do manifesto e o mote para a reivindicação de um grupo de agentes culturais que, no último mês, tem marcado o debate sobre a situação cultural de Coimbra. O documento, inicialmente assinado por nomes tradicionalmente ligados à cultura, aponta várias críticas à política cultural da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). A este núcleo de promotores do movimento juntaram–se mais de mil subscritores, que também defendem um novo rumo na política cultural autárquica. 'Amigosdacultura2008.blogspot.com’ é o endereço do blogue que tem vindo a reunir apoiantes todos os dias.
Porém, o litígio não é novo. Tudo começou quando, em 2005, um grupo de amantes da cultura decidiu contestar um alegado corte de 60 por cento nos fundos da autarquia destinados à cultura. Os contestatários de então foram os mesmos que, a 23 de Janeiro deste ano, “decidiram voltar à carga, porque as coisas não se resolveram, pelo contrário, agravaram-se”, explica Augusto Barros, director artístico da Escola da Noite. A opinião é partilhada pelo presidente da ‘Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003’, Abílio Hernandez: “passaram dois anos e não houve qualquer resposta camarária à nossa manifestação, nem qualquer melhoria”. “Passados dois anos a política cultural da autarquia é simplesmente desastrosa”, acusa ainda o promotor do movimento.
Entre as principais acusações do manifesto estão um corte de 80 por cento nas verbas para a cultura desde 2004, a redução de apoios às estruturas artísticas, a falta de um plano estratégico cultural, a incapacidade de gestão dos espaços e o alerta para a perspectiva ‘provinciana’ da autarquia.
Para o antigo director do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), João Maria André, “não estava a ser desenvolvida pela câmara uma política que apoiasse a intervenção da cultura no desenvolvimento da cidade”. Esta foi uma das razões que levou João Maria André a assumir-se como um dos principais rostos deste movimento.
O presidente da CMC, Carlos Encarnação, não poupa críticas aos assinantes do manifesto e defende que “a maior parte das considerações não são correctas”. “Nunca houve um executivo municipal que investisse tanto em cultura como o actual”, garante Encarnação. O autarca acusa os agentes culturais de serem apologistas de uma política de subsídios. “O plano estratégico cultural de alguns ‘amigos da cultura’ é este: nós temos X dinheiro, reunimos os amigos todos, aqueles que achamos que devem receber fundos, e distribuímos esse dinheirinho por todos, em subsídios. A política que eu faço pela cultura é outra”, defende.
Agentes culturais descontentes
Não faltam no manifesto nomes conhecidos da cena cultural conimbricense. Desde universitários a responsáveis de companhias de teatro, são várias as vozes que se fazem ouvir.
O director do Centro de Artes Visuais (CAV), Albano da Silva Pereira, denuncia que “é desagradável a forma como temos sido tratados ultimamente” e fala numa mudança de tratamento por parte do executivo de Carlos Encarnação do primeiro para o segundo mandato. Albano da Silva Pereira queixa–se ainda da “falta de respeito que a CMC tem tido para com o CAV”. Encarnação diz que o director do Centro de Artes Visuais é injusto nas críticas pois “está a usufruir duma coisa que foi construída pela CMC, que custou muitos milhões de euros, e de um subsídio anual de 70 mil euros”.
Os responsáveis do TAGV também encabeçam o protesto. Apesar de se encontrar no estrangeiro, Manuel Portela, director do teatro, tem declarado apoio ao movimento, participando com ‘posts’ no blogue dos ‘amigos da cultura’.
Também Augusto Barros dirige críticas à CMC, que acusa de “chantagem sobre a Escola da Noite para aceitar as condições que queriam impor”. Por seu lado, o presidente da câmara municipal garante que “a autarquia está disposta a dar 85 mil euros anuais à Escola da Noite e investiu quatro milhões e 700 mil euros em dois teatros”. Augusto Barros desvaloriza os números avançados por Carlos Encarnação, pois considera estarem muito abaixo de outras cidades do País. “O dinheiro que a câmara dá é absolutamente ridículo”, remata o encenador.
Já no campo da Universidade de Coimbra o Pró–Reitor para a Cultura, José António Bandeirinha, embora subscritor, escusa–se a tomar uma posição pública sobre o manifesto.
Divergências, um colóquio e um futuro incerto
Apesar de subscreverem um documento comum, as posições dos contestatários divergem. Isabel Craveiro, da direcção do Teatrão, embora seja assinante, confessa: “há muitas coisas no documento com que não concordo”. “Parece–me bastante pobre o facto de apenas manifestar a preocupação relativamente à inexistência de política cultural da câmara”, acrescenta Isabel Craveiro. A agente cultural lamenta ainda que se “tenha produzido um documento onde não se apontam alternativas”.
Contudo, há também quem não tenha um conhecimento profundo do texto. Albano da Silva Pereira, confrontado com a referência que é feita no manifesto sobre o facto de o CAV não ter a electricidade paga pela autarquia, responde: “Por acaso não li isso, não vi”.
A divergência também esteve patente num colóquio organizado pelo movimento, subordinado ao tema ‘O Valor Estratégico da Cultura’. Augusto Barros lembra que “neste colóquio apareceram pessoas, algumas que até vêm da classe cultural, que parecem ter um certo gosto em dar tiros no pé”. Isabel Craveiro sugeriu que se formassem grupos de trabalho e se definissem estratégias, mas ninguém acudiu à solicitação. Pelo menos até ao fim do colóquio.
O futuro da iniciativa é uma incógnita e as opiniões dividem-se. Por um lado, Isabel Craveiro entende que o “movimento pode chegar onde as pessoas quiserem” e acrescenta que é necessário envolver a população, pois “sem isso está condenado ao fracasso”. Abílio Hernandez garante que “não está prevista mais nenhuma iniciativa”, mas adianta que “pode acontecer”. Mais peremptório, João Maria André afirma que “o objectivo fundamental já foi atingido”. “Não estava no horizonte das pessoas que deram origem a este protesto criar um movimento mais consolidado. Não está desenhada qualquer continuidade”, revela.
Continue ou não o movimento, é previsível que o confronto entre a CMC e os agentes culturais se mantenha. Prova disso são as declarações de Carlos Encarnação que, num tom irónico, graceja: “Acho muito bem que eles sejam amigos da cultura, eu também sou”.
Rui Antunes e João Miranda (com Vanessa Quitério), A Cabra, 26 de Fevereiro de 2008.
“Pelo direito e pelo dever à cultura” é o título do manifesto e o mote para a reivindicação de um grupo de agentes culturais que, no último mês, tem marcado o debate sobre a situação cultural de Coimbra. O documento, inicialmente assinado por nomes tradicionalmente ligados à cultura, aponta várias críticas à política cultural da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). A este núcleo de promotores do movimento juntaram–se mais de mil subscritores, que também defendem um novo rumo na política cultural autárquica. 'Amigosdacultura2008.blogspot.com’ é o endereço do blogue que tem vindo a reunir apoiantes todos os dias.
Porém, o litígio não é novo. Tudo começou quando, em 2005, um grupo de amantes da cultura decidiu contestar um alegado corte de 60 por cento nos fundos da autarquia destinados à cultura. Os contestatários de então foram os mesmos que, a 23 de Janeiro deste ano, “decidiram voltar à carga, porque as coisas não se resolveram, pelo contrário, agravaram-se”, explica Augusto Barros, director artístico da Escola da Noite. A opinião é partilhada pelo presidente da ‘Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003’, Abílio Hernandez: “passaram dois anos e não houve qualquer resposta camarária à nossa manifestação, nem qualquer melhoria”. “Passados dois anos a política cultural da autarquia é simplesmente desastrosa”, acusa ainda o promotor do movimento.
Entre as principais acusações do manifesto estão um corte de 80 por cento nas verbas para a cultura desde 2004, a redução de apoios às estruturas artísticas, a falta de um plano estratégico cultural, a incapacidade de gestão dos espaços e o alerta para a perspectiva ‘provinciana’ da autarquia.
Para o antigo director do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), João Maria André, “não estava a ser desenvolvida pela câmara uma política que apoiasse a intervenção da cultura no desenvolvimento da cidade”. Esta foi uma das razões que levou João Maria André a assumir-se como um dos principais rostos deste movimento.
O presidente da CMC, Carlos Encarnação, não poupa críticas aos assinantes do manifesto e defende que “a maior parte das considerações não são correctas”. “Nunca houve um executivo municipal que investisse tanto em cultura como o actual”, garante Encarnação. O autarca acusa os agentes culturais de serem apologistas de uma política de subsídios. “O plano estratégico cultural de alguns ‘amigos da cultura’ é este: nós temos X dinheiro, reunimos os amigos todos, aqueles que achamos que devem receber fundos, e distribuímos esse dinheirinho por todos, em subsídios. A política que eu faço pela cultura é outra”, defende.
Agentes culturais descontentes
Não faltam no manifesto nomes conhecidos da cena cultural conimbricense. Desde universitários a responsáveis de companhias de teatro, são várias as vozes que se fazem ouvir.
O director do Centro de Artes Visuais (CAV), Albano da Silva Pereira, denuncia que “é desagradável a forma como temos sido tratados ultimamente” e fala numa mudança de tratamento por parte do executivo de Carlos Encarnação do primeiro para o segundo mandato. Albano da Silva Pereira queixa–se ainda da “falta de respeito que a CMC tem tido para com o CAV”. Encarnação diz que o director do Centro de Artes Visuais é injusto nas críticas pois “está a usufruir duma coisa que foi construída pela CMC, que custou muitos milhões de euros, e de um subsídio anual de 70 mil euros”.
Os responsáveis do TAGV também encabeçam o protesto. Apesar de se encontrar no estrangeiro, Manuel Portela, director do teatro, tem declarado apoio ao movimento, participando com ‘posts’ no blogue dos ‘amigos da cultura’.
Também Augusto Barros dirige críticas à CMC, que acusa de “chantagem sobre a Escola da Noite para aceitar as condições que queriam impor”. Por seu lado, o presidente da câmara municipal garante que “a autarquia está disposta a dar 85 mil euros anuais à Escola da Noite e investiu quatro milhões e 700 mil euros em dois teatros”. Augusto Barros desvaloriza os números avançados por Carlos Encarnação, pois considera estarem muito abaixo de outras cidades do País. “O dinheiro que a câmara dá é absolutamente ridículo”, remata o encenador.
Já no campo da Universidade de Coimbra o Pró–Reitor para a Cultura, José António Bandeirinha, embora subscritor, escusa–se a tomar uma posição pública sobre o manifesto.
Divergências, um colóquio e um futuro incerto
Apesar de subscreverem um documento comum, as posições dos contestatários divergem. Isabel Craveiro, da direcção do Teatrão, embora seja assinante, confessa: “há muitas coisas no documento com que não concordo”. “Parece–me bastante pobre o facto de apenas manifestar a preocupação relativamente à inexistência de política cultural da câmara”, acrescenta Isabel Craveiro. A agente cultural lamenta ainda que se “tenha produzido um documento onde não se apontam alternativas”.
Contudo, há também quem não tenha um conhecimento profundo do texto. Albano da Silva Pereira, confrontado com a referência que é feita no manifesto sobre o facto de o CAV não ter a electricidade paga pela autarquia, responde: “Por acaso não li isso, não vi”.
A divergência também esteve patente num colóquio organizado pelo movimento, subordinado ao tema ‘O Valor Estratégico da Cultura’. Augusto Barros lembra que “neste colóquio apareceram pessoas, algumas que até vêm da classe cultural, que parecem ter um certo gosto em dar tiros no pé”. Isabel Craveiro sugeriu que se formassem grupos de trabalho e se definissem estratégias, mas ninguém acudiu à solicitação. Pelo menos até ao fim do colóquio.
O futuro da iniciativa é uma incógnita e as opiniões dividem-se. Por um lado, Isabel Craveiro entende que o “movimento pode chegar onde as pessoas quiserem” e acrescenta que é necessário envolver a população, pois “sem isso está condenado ao fracasso”. Abílio Hernandez garante que “não está prevista mais nenhuma iniciativa”, mas adianta que “pode acontecer”. Mais peremptório, João Maria André afirma que “o objectivo fundamental já foi atingido”. “Não estava no horizonte das pessoas que deram origem a este protesto criar um movimento mais consolidado. Não está desenhada qualquer continuidade”, revela.
Continue ou não o movimento, é previsível que o confronto entre a CMC e os agentes culturais se mantenha. Prova disso são as declarações de Carlos Encarnação que, num tom irónico, graceja: “Acho muito bem que eles sejam amigos da cultura, eu também sou”.
Rui Antunes e João Miranda (com Vanessa Quitério), A Cabra, 26 de Fevereiro de 2008.