Catarina Martins
(Jornal de Notícias, 14 de Fevereiro de 2008)
No passado dia 8, Marcelo Nuno publicou um artigo, nesta mesma rubrica do Passeio Público, no qual contesta o conteúdo da minha crónica de 31 de Janeiro. O ataque do vereador das Finanças da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) visa igualmente os signatários de um manifesto em defesa da cultura em Coimbra, assinado por "amigos da cultura". Nesta altura, são mais de um milhar de cidadãos, entre os quais a maioria dos agentes culturais da cidade. Dados os termos insultuosos desse artigo, não posso deixar de responder.
De há muito, no que diz respeito à cultura, o executivo de Carlos Encarnação recorre à mesma argumentação insustentável, da qual Marcelo Nuno não passa de um medíocre eco. Política cultural é, para a CMC, sinónimo de infra-estruturas, onde a autarquia teria investido exemplarmente. Os críticos não passam de elites culturais que desprezam a cultura popular e defendem a "subsídiodependência". Como é óbvio, nada disto corresponde à verdade.
O que incomodou o vereador foi a publicação, na minha crónica, de gráficos comparativos da dotação da cultura nas Grandes Opções do Plano (GOP) da CMC para 2007 e 2008. Os números que apresentei são aqueles que constam do orçamento camarário, e que traduzem inequivocamente uma redução em mais de 50% do orçamento para a cultura. Quanto à base de comparação, é verdade que em causa deveria estar a execução e não o orçamento. Porém, todas as vezes que a Assembleia Municipal (AM) foi chamada a votar o orçamento camarário e exigiu os dados da execução, Marcelo Nuno jamais os apresentou.
Comparações
Até à prestação de contas, em Abril, estes dados são do seu conhecimento exclusivo. Por esta razão, a apreciação do orçamento só pode basear-se na comparação com o orçamento anterior, a única comparação legítima. Quanto à "transparência e rigor" na gestão da Autarquia, enquanto as contas forem do segredo do seu Olimpo de barro, senhor vereador, estamos conversados.
Os gráficos com que Marcelo Nuno contra-ataca não são, aliás, abonadores a seu favor, no que à execução diz respeito.
O realizado do seu mandato fica a metade do orçamentado, o que confirma o que sempre denunciámos que o orçamento da CMC, em particular o da cultura, é, em grande parte, fantasioso, constituído por dívidas que transitam de ano para ano e de iniciativas constantemente adiadas. Um dos exemplos mais reveladores é o do Convento de S. Francisco, do qual, de há vários anos para cá, só consta no orçamento uma verba para caixilharia.
Esconder
Quanto àquilo que apresenta como orçamentado, a fusão de todos os anos do seu mandato serve, como é óbvio, o objectivo de esconder a diminuição de que as GOP para a Cultura têm vindo a ser alvo. Basta dizer que, em 2004, estas estavam contempladas com 9,3 milhões de euros, em 2008, não haverá mais do que 1,9 milhões para gastar nesta área.
Ao comparar orçamentos, Marcelo Nuno destaca a rubrica "espaços culturais", aquela que regista maior diminuição em relação a 2007. O facto mais grave nesta rubrica é não estar contemplada verba para o funcionamento dos equipamentos culturais municipais. É que não basta construir paredes. É preciso estabelecer objectivos, definir programação e assegurar as condições para a respectiva concretização.
De resto, o vereador afirma que se deve ao PSD a construção do Teatro da Cerca e da Oficina Municipal do Teatro, iniciativas do PS, e enumera uma série de supostos investimentos em infra--estruturas, das quais a única novidade são "sedes e museus espalhados pelo concelho".
Ecoando, novamente, a retórica pacóvia das elites que rejeitam a cultura popular, Marcelo Nuno pretende imputar-me desprezo pelos agentes culturais amadores. Ora, estamos a falar de uma Câmara que recusou mil euros (!) a um projecto de formação de amadores em teatro, promovido pela Direcção Regional da Cultura do Centro, para o qual outros municípios menores contribuíram muito mais. Isto é para a CMC, dota-se os amadores de "sedes". Se ali há actores e encenadores ou não, pouco importa. E se estes precisam de formação, importa ainda menos. Estão à vista a patranha do amor pelo amadorismo, personificado pelo vereador da Cultura, bem como, mais uma vez, uma "política de paredes". Ou seja, tantas (?) infra-estruturas, sem que a própria CMC saiba para que servem, em que estratégia se inserem, sem que tenha sequer vontade de as pôr a funcionar.
Desprezo pela cultura
Não fazem parte do vocabulário da CMC (veja-se o Plano Estratégico da Cidade de Coimbra para a cultura) as palavras arte, criação artística, formação de públicos, ensino e formação artísticos, etc. Jamais terão reflectido sobre o papel da cultura no desenvolvimento da cidadania e da democracia. Mas devia interessar a um executivo camarário o conceito de indústria criativa, um sector de actividade, assente na cultura, que é responsável por 2,6% do PIB da UE, gerador de milhões de empregos em toda a Europa (3,1% do total) e, em Portugal, pela criação de 1,4% da riqueza nacional produzida. É disto que falo, quando falo de política cultural e da sua relevância determinante para Coimbra como estratégia de desenvolvimento. Algo de substancialmente diferente da acção errática desta Câmara, do "dar" ou "não dar" que não garante o futuro e desbarata o passado e o presente.
(Jornal de Notícias, 14 de Fevereiro de 2008)
No passado dia 8, Marcelo Nuno publicou um artigo, nesta mesma rubrica do Passeio Público, no qual contesta o conteúdo da minha crónica de 31 de Janeiro. O ataque do vereador das Finanças da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) visa igualmente os signatários de um manifesto em defesa da cultura em Coimbra, assinado por "amigos da cultura". Nesta altura, são mais de um milhar de cidadãos, entre os quais a maioria dos agentes culturais da cidade. Dados os termos insultuosos desse artigo, não posso deixar de responder.
De há muito, no que diz respeito à cultura, o executivo de Carlos Encarnação recorre à mesma argumentação insustentável, da qual Marcelo Nuno não passa de um medíocre eco. Política cultural é, para a CMC, sinónimo de infra-estruturas, onde a autarquia teria investido exemplarmente. Os críticos não passam de elites culturais que desprezam a cultura popular e defendem a "subsídiodependência". Como é óbvio, nada disto corresponde à verdade.
O que incomodou o vereador foi a publicação, na minha crónica, de gráficos comparativos da dotação da cultura nas Grandes Opções do Plano (GOP) da CMC para 2007 e 2008. Os números que apresentei são aqueles que constam do orçamento camarário, e que traduzem inequivocamente uma redução em mais de 50% do orçamento para a cultura. Quanto à base de comparação, é verdade que em causa deveria estar a execução e não o orçamento. Porém, todas as vezes que a Assembleia Municipal (AM) foi chamada a votar o orçamento camarário e exigiu os dados da execução, Marcelo Nuno jamais os apresentou.
Comparações
Até à prestação de contas, em Abril, estes dados são do seu conhecimento exclusivo. Por esta razão, a apreciação do orçamento só pode basear-se na comparação com o orçamento anterior, a única comparação legítima. Quanto à "transparência e rigor" na gestão da Autarquia, enquanto as contas forem do segredo do seu Olimpo de barro, senhor vereador, estamos conversados.
Os gráficos com que Marcelo Nuno contra-ataca não são, aliás, abonadores a seu favor, no que à execução diz respeito.
O realizado do seu mandato fica a metade do orçamentado, o que confirma o que sempre denunciámos que o orçamento da CMC, em particular o da cultura, é, em grande parte, fantasioso, constituído por dívidas que transitam de ano para ano e de iniciativas constantemente adiadas. Um dos exemplos mais reveladores é o do Convento de S. Francisco, do qual, de há vários anos para cá, só consta no orçamento uma verba para caixilharia.
Esconder
Quanto àquilo que apresenta como orçamentado, a fusão de todos os anos do seu mandato serve, como é óbvio, o objectivo de esconder a diminuição de que as GOP para a Cultura têm vindo a ser alvo. Basta dizer que, em 2004, estas estavam contempladas com 9,3 milhões de euros, em 2008, não haverá mais do que 1,9 milhões para gastar nesta área.
Ao comparar orçamentos, Marcelo Nuno destaca a rubrica "espaços culturais", aquela que regista maior diminuição em relação a 2007. O facto mais grave nesta rubrica é não estar contemplada verba para o funcionamento dos equipamentos culturais municipais. É que não basta construir paredes. É preciso estabelecer objectivos, definir programação e assegurar as condições para a respectiva concretização.
De resto, o vereador afirma que se deve ao PSD a construção do Teatro da Cerca e da Oficina Municipal do Teatro, iniciativas do PS, e enumera uma série de supostos investimentos em infra--estruturas, das quais a única novidade são "sedes e museus espalhados pelo concelho".
Ecoando, novamente, a retórica pacóvia das elites que rejeitam a cultura popular, Marcelo Nuno pretende imputar-me desprezo pelos agentes culturais amadores. Ora, estamos a falar de uma Câmara que recusou mil euros (!) a um projecto de formação de amadores em teatro, promovido pela Direcção Regional da Cultura do Centro, para o qual outros municípios menores contribuíram muito mais. Isto é para a CMC, dota-se os amadores de "sedes". Se ali há actores e encenadores ou não, pouco importa. E se estes precisam de formação, importa ainda menos. Estão à vista a patranha do amor pelo amadorismo, personificado pelo vereador da Cultura, bem como, mais uma vez, uma "política de paredes". Ou seja, tantas (?) infra-estruturas, sem que a própria CMC saiba para que servem, em que estratégia se inserem, sem que tenha sequer vontade de as pôr a funcionar.
Desprezo pela cultura
Não fazem parte do vocabulário da CMC (veja-se o Plano Estratégico da Cidade de Coimbra para a cultura) as palavras arte, criação artística, formação de públicos, ensino e formação artísticos, etc. Jamais terão reflectido sobre o papel da cultura no desenvolvimento da cidadania e da democracia. Mas devia interessar a um executivo camarário o conceito de indústria criativa, um sector de actividade, assente na cultura, que é responsável por 2,6% do PIB da UE, gerador de milhões de empregos em toda a Europa (3,1% do total) e, em Portugal, pela criação de 1,4% da riqueza nacional produzida. É disto que falo, quando falo de política cultural e da sua relevância determinante para Coimbra como estratégia de desenvolvimento. Algo de substancialmente diferente da acção errática desta Câmara, do "dar" ou "não dar" que não garante o futuro e desbarata o passado e o presente.