Cristina Robalo Cordeiro, conservadora da Casa-Museu Miguel Torga, deixa perceber, num texto publicado na Internet, algum desagrado por o funcionamento depender financeiramente do vereador da Cultura Mário Nunes.
«Bem depressa me dei conta de que não tinha o domínio da situação», escreve a também vice-reitora da Universidade de Coimbra. Por ser propriedade municipal, «a Casa releva financeiramente da autoridade última do vereador da Cultura, situação que tem causado infindáveis motivos e ocasiões de frustração…», argumenta, ao exemplificar: «até à data, as únicas iniciativas tomadas (publicação de um folheto, fixação de uma tarifa de entrada) escaparam não só ao meu controle como também ao meu conhecimento».
Mais, escreve a docente da Faculdade de Letras, «soube recentemente (e indirectamente) que um orçamento havia sido atribuído à Casa-Museu e que a sua gestão seria feita com a mediação (autorização?) do vereador».
Ao Diário de Coimbra, Cristina Robalo Cordeiro acrescentou que tem dado conta da situação ao presidente da Câmara que, acentuou, «tem mostrado abertura total e apoio incondicional», mas, ressalvou, «o funcionamento prático» não passa por Carlos Encarnação, e sim pelo vereador Mário Nunes.
Ao considerar que «os folhetos não tinham a qualidade» que o nome de Miguel Torga exige, aludiu a dificuldades práticas como a falta de computador, de impressora ou de aquecimento no imóvel - onde trabalham duas funcionárias do município – ou ainda a necessidade de catalogação do espólio.
«A Casa dispõe de um importante espólio - documentos, cartas, manuscritos, primeiras edições, fotografias, filmes, recortes de imprensa nacional e estrangeira, traduções - e é legítimo que possa constituir-se como Centro de Estudos, destinado a acolher todos quantos pretendam estudar a época e os escritos do autor», lê-se no texto acessível no site http://amigosdacultura2008.blogspot.com. Para que tal aconteça, ressalva a docente, é necessário que «haja, por parte dos responsáveis, vontade de fazer - e não de desfazer -, sentido estético e ético e não apenas sede de protagonismo básico e mediático».
Face ao manifesto desagrado, renunciar ao cargo - para que foi designada pela Câmara Municipal, mas por vontade da filha do escritor, Clara Rocha – já foi ponderado. Porque é o seu nome que está em causa: «o mau funcionamento é imputado a quem?», reflectiu.
Projecto inicial em risco
A conservadora da Casa-Museu, que dá o seu contributo a título gracioso, disse, contudo, que esse será «o último recurso», por consideração a Clara Rocha, ao presidente da Câmara e a pessoas que trabalham consigo. Diga-se, a propósito, que a vice-reitora criou um pequeno comité de direcção, para o qual convidou pessoas de diferentes saberes, nacionais e estrangeiras, que já foi aprovado pelo executivo municipal.
O que ainda necessita de aprovação são os estatutos, elaborados pela conservadora e a aguardar resposta do município. Essa questão, elucidou Mário Nunes, está em avaliação no gabinete jurídico da câmara. Solicitado pelo DC a comentar as declarações da vice-reitora, o vereador da área cultural notou que os folhetos já não circulam. Sobre as carências da Casa-
-Museu, Mário Nunes assegura que está tudo pedido, «depende das Finanças», esclareceu, ao lembrar que a câmara tem de solicitar «três orçamentos a três firmas diferentes», o que não deixa de adiar o processo de aquisição.
Quanto às entradas pagas, recorda que foi uma deliberação do executivo municipal; a mesma, aliás, que terá determinado um período gratuito até Setembro (a abertura foi em Agosto de 2007) e que também estabelecia um momento para início de cobranças.
Já quanto à dependência da Casa em relação ao vereador da Cultura, Mário Nunes observa que decorre da própria lei. Mas, acentua, só «a conservadora tem acesso a todos os livros, não há mais nenhuma chave dos armários», um «indicador», em sua opinião, de que é Cristina Robalo Cordeiro «que manda na Casa».
Numa coisa o vereador concorda com a conservadora: o orçamento, que no momento em que falou ao DC não pôde precisar, «é mínimo»; «compreendo que é pouco dinheiro», mas, garantiu, «é todo para a Casa».
Cristina Robalo Cordeiro também classifica o orçamento de mínimo. E embora admita que haja dificuldades financeiras, entende que a «Cultura merece tanto como qualquer outro pelouro».
No texto divulgado na Internet, Cristina Robalo Cordeiro diz que «as dificuldades circunstanciais de percurso tiveram o mérito de me obrigar a uma ponderação diferente da essência do projecto, no quadro da política cultural da cidade».
«Reavaliada a situação», revela, fui levada a reflectir sobre a pequena dimensão de um espaço desta natureza; a incerta capacidade da sua intervenção cultural na cidade; o isolamento face a outros espaços culturais da cidade, e consequentemente, a interrogar-me sobre qual deve ser a natureza, função e missão da Casa onde Miguel Torga viveu».
Para a vice-reitora, «a ideia inicial de espaço presente de um quotidiano de cultura, de abertura da casa à realização de encontros de escritores, tertúlias literárias, debates e apresentação de livros, colóquios e seminários, representações teatrais e fílmicas, não é concretizável sem a construção (prevista) de um auditório».
«Tal como existe, a Casa Miguel Torga não pode – nem parece desejável – funcionar como mais uma pequena “casa da cultura”», censura a conservadora.
Diário de Coimbra, 22 de Abril de 2008.