Francisco Curate
(Jornal de Notícias, 9 de Julho de 2007)
Coimbra é amplamente reconhecida como a cidade do conhecimento e da cultura. Não é vã e fátua esta percepção, nutrida por séculos de íntima ligação com a Universidade e, mais recentemente, por anódinas placas depostas nas bermas da auto-estrada que liga o Sul e o Norte do país. Não me parece, contudo, que esta alegação se continue a reproduzir, incontestável e axiomática.
Se, por um lado, a Universidade e alguns agentes culturais porfiam para alongar e ampliar o mandato de excelência cultural de Coimbra; por outro lado, floresce uma desavença crispada entre Câmara Municipal e os mesmos agentes culturais. Acrescente-se a inexistência de uma grande sala e de espectáculos e o revés que constituiu para a cidade a nomeação de Guimarães como Capital Europeia da Cultura de 2012.
Ao evocar o que a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) vem fazendo em proveito da cultura na cidade, nota-se que, para além do investimento em alguns equipamentos culturais (como o Teatro da Cerca de São Bernardo ou o Centro de Artes Visuais), o olvido, o desinteresse e o retrocesso são as palavras que mais modelam a concepção de cultura da administração camarária.
De facto, o executivo camarário parece ter muito poucas ideias acerca de política cultural e os estilhaços que produz não se recomendam. A estratégia cultural da CMC vagueia displicentemente entre o filistinismo e o folclorismo bacoco e atávico.
Os protocolos com grupos ligados ao teatro, à música e ao cinema, ou não existem, ou são sistematicamente infirmados por atrasos nos pagamentos. O dinheiro o supremo moderador da produção cultural. Uma submissão inaceitável, e incompreensível, apesar do oceano de limitações que o orçamento de uma Câmara Municipal inevitavelmente impõe.
A realidade mostra que nem todas as vertentes culturais foram afectadas pelo desinvestimento da CMC. Os aspectos mais folclóricos da cultura, como os ranchos ou as filarmónicas, continuam a ser protegidos e acarinhados financeiramente. E muito bem, digo eu. E a "outra" cultura? As artes de vanguarda, politicamente comprometidas, ou simplesmente associadas à "alta cultura" têm sido condenadas ao oblívio e ao definhamento.
O conceito sociológico de cultura filia as práticas culturais no sistema de produção e consumo. A cultura é um bem mercantilizado, muitas vezes dividido hierarquicamente em "alta cultura", "cultura popular" e "cultura de massas".
Os burocratas da cultura da CMC julgam tirar partido desta clivagem, financiando o entretenimento da sociedade de massas e, em concomitância, extinguindo o apoio à cultura das margens e à "alta cultura". É sedutor o caminho da rasura disponibiliza-se o circo em troca de alguma vantagem política. A cidade torna-se, no entanto, num espaço claustrofóbico, radica-se nos umbrais de um passado glorioso mas cada vez mais desvanecido. Magnífica tragédia, a de Coimbra.
(Jornal de Notícias, 9 de Julho de 2007)
Coimbra é amplamente reconhecida como a cidade do conhecimento e da cultura. Não é vã e fátua esta percepção, nutrida por séculos de íntima ligação com a Universidade e, mais recentemente, por anódinas placas depostas nas bermas da auto-estrada que liga o Sul e o Norte do país. Não me parece, contudo, que esta alegação se continue a reproduzir, incontestável e axiomática.
Se, por um lado, a Universidade e alguns agentes culturais porfiam para alongar e ampliar o mandato de excelência cultural de Coimbra; por outro lado, floresce uma desavença crispada entre Câmara Municipal e os mesmos agentes culturais. Acrescente-se a inexistência de uma grande sala e de espectáculos e o revés que constituiu para a cidade a nomeação de Guimarães como Capital Europeia da Cultura de 2012.
Ao evocar o que a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) vem fazendo em proveito da cultura na cidade, nota-se que, para além do investimento em alguns equipamentos culturais (como o Teatro da Cerca de São Bernardo ou o Centro de Artes Visuais), o olvido, o desinteresse e o retrocesso são as palavras que mais modelam a concepção de cultura da administração camarária.
De facto, o executivo camarário parece ter muito poucas ideias acerca de política cultural e os estilhaços que produz não se recomendam. A estratégia cultural da CMC vagueia displicentemente entre o filistinismo e o folclorismo bacoco e atávico.
Os protocolos com grupos ligados ao teatro, à música e ao cinema, ou não existem, ou são sistematicamente infirmados por atrasos nos pagamentos. O dinheiro o supremo moderador da produção cultural. Uma submissão inaceitável, e incompreensível, apesar do oceano de limitações que o orçamento de uma Câmara Municipal inevitavelmente impõe.
A realidade mostra que nem todas as vertentes culturais foram afectadas pelo desinvestimento da CMC. Os aspectos mais folclóricos da cultura, como os ranchos ou as filarmónicas, continuam a ser protegidos e acarinhados financeiramente. E muito bem, digo eu. E a "outra" cultura? As artes de vanguarda, politicamente comprometidas, ou simplesmente associadas à "alta cultura" têm sido condenadas ao oblívio e ao definhamento.
O conceito sociológico de cultura filia as práticas culturais no sistema de produção e consumo. A cultura é um bem mercantilizado, muitas vezes dividido hierarquicamente em "alta cultura", "cultura popular" e "cultura de massas".
Os burocratas da cultura da CMC julgam tirar partido desta clivagem, financiando o entretenimento da sociedade de massas e, em concomitância, extinguindo o apoio à cultura das margens e à "alta cultura". É sedutor o caminho da rasura disponibiliza-se o circo em troca de alguma vantagem política. A cidade torna-se, no entanto, num espaço claustrofóbico, radica-se nos umbrais de um passado glorioso mas cada vez mais desvanecido. Magnífica tragédia, a de Coimbra.