Catarina Martins
(Jornal de Notícias, 21 de Junho de 2007)
Acusada, durante anos, de não ter uma estratégia para a cidade, a Câmara Municipal de Coimbra encomendou um "Plano Estratégico", cujo diagnóstico preliminar foi recentemente publicado.
Como instrumento estruturante de políticas autárquicas de médio e longo prazo, a sua elaboração deve envolver os cidadãos, as associações cívicas e as diversas forças políticas. Promover um sucedâneo de discussão, em vez da ampla participação cidadã, como faz a autarquia, é desperdiçar dinheiro, tempo e oportunidade.
O diagnóstico preliminar apresentado baseia-se num "conjunto de princípios e ideias-chave" que viciam, à partida, os resultados apresentados. Sob uma capa de neutralidade técnica, este diagnóstico enaltece o actual executivo autárquico, seleccionando os indicadores e as fontes que lhe são mais favoráveis e fazendo interpretações abusivas sobre inúmeros dados apresentados.
Não por acaso, a secção "Cultura e Entretenimento" (área em que a actuação do executivo de Carlos Encarnação tem sido particularmente criticada) é uma das que suscitam um branqueamento mais acentuado.
Vejamos o que ali se considera "investimento camarário em cultura" apresentam-se dados de 2000/03 (o final do mandato de Manuel Machado e os anos da Capital Nacional da Cultura) para concluir que Coimbra está bem posicionada. "Esquecem-se" os autores de referir o corte de 60% no orçamento para a cultura entretanto registado e de perspectivar os seus efeitos no desenvolvimento cultural da cidade. Como pode um plano estratégico enaltecer os efeitos do investimento feito há mais de cinco anos e ignorar que ele é hoje menos de metade?
A falta de seriedade do estudo revela-se ainda nas interpretações de indicadores como a frequência de bibliotecas ou de espectáculos. Ao mesmo tempo que reconhece que os valores elevados (quando comparados com outras cidades) se devem ao peso da comunidade universitária e das festas académicas, conclui, pasme-se, que eles são "reflexo" do investimento camarário.
Para além das inúmeras falhas técnicas do estudo (erros de informação, deficiente identificação das fontes, não justificação dos critérios de selecção e tratamento dos indicadores, ignorância de estudos existentes), os autores incluem juízos de valor que não fundamentam o aumento "em quantidade e em qualidade" da oferta de cinema, a existência de um "conjunto variado de espaços para a realização de eventos culturais", a "actividade cultural intensa"…
Por último, é inaceitável o conceito de cultura que preside ao estudo no documento, preocupado em enumerar eventos, como o concerto dos Rolling Stones, as festas da Rainha Santa e os Encontros de Fotografia (que já não existem), jamais surge a noção de arte e de produção artística, bem como a identificação cabal dos agentes e dinâmicas culturais endógenos. Para os autores, cultura não extravasa a compra e venda de eventos, destinados a consumidores de ocasião, como os turistas.
Assim, em vez de verdadeira estratégia de desenvolvimento para Coimbra, por razões identitárias, a cultura aparece com um papel secundário na área do turismo, abaixo da panaceia do golfe. Defensores de um modelo de desenvolvimento pré-formatado, assente quase exclusivamente no domínio tecnológico, os autores desconhecem o potencial económico da indústria criativa, relativo à cultura num sentido amplo, que hoje contribui para grande parte do PIB em muitos países da Europa.
Nestes termos, o "Plano Estratégico" não passa de um instrumento para branquear a actuação do executivo PSD/PP, legitimando as opções políticas há muito tomadas. Pior ainda define políticas que não são as mais ajustadas ao desenvolvimento e afirmação da identidade de Coimbra.
(Jornal de Notícias, 21 de Junho de 2007)
Acusada, durante anos, de não ter uma estratégia para a cidade, a Câmara Municipal de Coimbra encomendou um "Plano Estratégico", cujo diagnóstico preliminar foi recentemente publicado.
Como instrumento estruturante de políticas autárquicas de médio e longo prazo, a sua elaboração deve envolver os cidadãos, as associações cívicas e as diversas forças políticas. Promover um sucedâneo de discussão, em vez da ampla participação cidadã, como faz a autarquia, é desperdiçar dinheiro, tempo e oportunidade.
O diagnóstico preliminar apresentado baseia-se num "conjunto de princípios e ideias-chave" que viciam, à partida, os resultados apresentados. Sob uma capa de neutralidade técnica, este diagnóstico enaltece o actual executivo autárquico, seleccionando os indicadores e as fontes que lhe são mais favoráveis e fazendo interpretações abusivas sobre inúmeros dados apresentados.
Não por acaso, a secção "Cultura e Entretenimento" (área em que a actuação do executivo de Carlos Encarnação tem sido particularmente criticada) é uma das que suscitam um branqueamento mais acentuado.
Vejamos o que ali se considera "investimento camarário em cultura" apresentam-se dados de 2000/03 (o final do mandato de Manuel Machado e os anos da Capital Nacional da Cultura) para concluir que Coimbra está bem posicionada. "Esquecem-se" os autores de referir o corte de 60% no orçamento para a cultura entretanto registado e de perspectivar os seus efeitos no desenvolvimento cultural da cidade. Como pode um plano estratégico enaltecer os efeitos do investimento feito há mais de cinco anos e ignorar que ele é hoje menos de metade?
A falta de seriedade do estudo revela-se ainda nas interpretações de indicadores como a frequência de bibliotecas ou de espectáculos. Ao mesmo tempo que reconhece que os valores elevados (quando comparados com outras cidades) se devem ao peso da comunidade universitária e das festas académicas, conclui, pasme-se, que eles são "reflexo" do investimento camarário.
Para além das inúmeras falhas técnicas do estudo (erros de informação, deficiente identificação das fontes, não justificação dos critérios de selecção e tratamento dos indicadores, ignorância de estudos existentes), os autores incluem juízos de valor que não fundamentam o aumento "em quantidade e em qualidade" da oferta de cinema, a existência de um "conjunto variado de espaços para a realização de eventos culturais", a "actividade cultural intensa"…
Por último, é inaceitável o conceito de cultura que preside ao estudo no documento, preocupado em enumerar eventos, como o concerto dos Rolling Stones, as festas da Rainha Santa e os Encontros de Fotografia (que já não existem), jamais surge a noção de arte e de produção artística, bem como a identificação cabal dos agentes e dinâmicas culturais endógenos. Para os autores, cultura não extravasa a compra e venda de eventos, destinados a consumidores de ocasião, como os turistas.
Assim, em vez de verdadeira estratégia de desenvolvimento para Coimbra, por razões identitárias, a cultura aparece com um papel secundário na área do turismo, abaixo da panaceia do golfe. Defensores de um modelo de desenvolvimento pré-formatado, assente quase exclusivamente no domínio tecnológico, os autores desconhecem o potencial económico da indústria criativa, relativo à cultura num sentido amplo, que hoje contribui para grande parte do PIB em muitos países da Europa.
Nestes termos, o "Plano Estratégico" não passa de um instrumento para branquear a actuação do executivo PSD/PP, legitimando as opções políticas há muito tomadas. Pior ainda define políticas que não são as mais ajustadas ao desenvolvimento e afirmação da identidade de Coimbra.