Debate



Luis Quintãs




Começo por cumprimentar os membros da mesa. Chamo-me Luis Quintãs, sou um cidadão anónimo da cidade. Como ressalva de interesses, digo que não pertenço a nenhum partido, não represento nenhuma associação, não sou defensor de qualquer instituição.

Depois desta ressalva, devo dizer que também não subscrevi e não concordo com o texto apresentado – “Pelo direito à cultura e pelo dever à cultura”. Depois do referido texto, apetece-me parafrasear Kennedy: não procurem a Coimbra o que pode fazer pela cultura, mas antes o que podemos todos fazer pela cultura da cidade. Parece quase um manifesto político-partidário e a cultura, quanto a mim, deve transcender essa partidarite. Bem sei que o dr. Abílio Hernandez teve o cuidado, logo no princípio, de aligeirar, porque penso que teve noção que realmente o texto está muito sobrecarregado (é uma opinião sincera e minha). Teve o cuidado de aligeirar para que falássemos de cidades e não da cidade em si, Coimbra. Quanto a mim, realmente, o texto peca muito por essa partidarite aguda, ou seja, acho que há ali uma elevada carga de esquerda, perdoem-me a expressão. Como disse, eu transcendo essas questões, pelo menos assim julgo.

O que é afinal a cultura? Falámos em termos abstractos e de concreto não se falou em nada. A cultura é realmente isso tudo – é tudo em abstracto e pode ser muito em concreto. A cultura em Coimbra, quanto a mim, parece que gira em torno de dois pólos – é a academia, com o fado (ainda por cima enfeudado) ou a queima e o teatro. E absolutamente mais nada. Para quem vier de fora e chegar aqui, se ler os jornais diários, parece que a cultura gira apenas em torno destes dois pólos, parece que não há mais nada. Coimbra não tem uma cultura underground, uma cultura que seja marginal e criativa, parece que apenas funciona se tiver o motor oleado pelo subsídio. Bem sei que é um palavrão, os membros da mesa não gostam deste palavrão, mas assim me parece. A cultura, se o motor não estiver oleado pelo subsídio, não funciona, nomeadamente em relação aos grupos de teatro. Eu tenho que dizer o que penso. E, portanto, nestas questões, em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. Parece que tudo, na minha opinião, se resume ao teatro, ao qual, com todo o respeito por quem nele emprega o seu esforço, os conimbricenses aderem mal. É necessário pensar se o problema da não aderência estará nos urbanos ou nas peças apresentadas, muitas vezes demasiado longas e de percepção difícil pela maioria. Aqui louvo uma pessoa que muito estimo, ligada à direcção de uma companhia que, em entrevista ao Diário de Coimbra, dizia exactamente isso mesmo há cerca de dois meses, sensivelmente. Fazia uma espécie de acto de contrição. Gostei muito de ler aquela frase, porque demonstra muita sensibilidade ao achar que, se os públicos não vão ao teatro, é porque realmente alguma coisa está mal. Não será somente porque o povo de Coimbra faz a sua transposição diária da cidade para os arredores, não será apenas isso. Se calhar, as peças não procuram um diálogo simples, directo, não captam públicos. É a minha opinião. Eu vou algumas vezes ao teatro, não me estou aqui a armar, vou algumas vezes. Nalgumas vezes que vou ponho-me assim a olhar para aquilo – o que é que esta cena tem a ver com aquela? –, e fico assim: bom, se calhar eu sou meio burro, quer dizer, não sou suficientemente inteligente para pensar que aqui falta uma ponte de ligação. Vejo as pessoas todas a bater palmas, isso vejo sempre. Vejo sempre (nalguns casos, não todos, obviamente, não estou a generalizar) trinta pessoas, trinta e tal, mas fico-me por aqui.

Em relação ao resto, faço uma pergunta: por exemplo, porque não se aposta no teatro de revista? Porque é pimba, como era classificado por um conhecido encenador, também em entrevista ao Diário de Coimbra, há cerca de sensivelmente um mês? Dá impressão que a cultura dita alta ou erudita se quer impor ditatorialmente à que vem do povo, classificando esta de pacóvia e parola, esquecendo que todos contribuímos e somos fazedores de cultura. A verdade é que dá a ideia que só se vive da cultura alta ou erudita. Por exemplo, permitam-me (isto pode parecer uma graça, mas não pretende ser), porque é que nessa mesa estão cinco professores universitários? Eu bem sei que subscreveram o apelo à cultura. Mas porque não estar o Zé da Esquina, que faz cultura e até escreve umas coisas e diz uns versos de vez em quando? Há aqui, realmente, um vício implícito, não intencional, não tenho dúvida nenhuma, de pôr a cultura sempre nas mãos dos senhores professores universitários, por quem tenho muito respeito, mas a média cultura (considerando que houvesse uma média cultura) também existe e existe a cultura popular e não a vejo realmente aqui representada.

Alonguei-me neste preâmbulo (as conversas são realmente terríveis) mas o que me trouxe realmente aqui é falar de um caso que, quanto a mim, de certo modo, raia o escandaloso. Vou falar do Museu da Ciência e da Técnica. Este Museu, como todos sabemos, nasceu em 1971, por um dos maiores físicos portugueses, Mário Augusto da Silva, e está fechado desde 2005 (quando o Museu foi integrado no Museu do Conhecimento). Lembro que tem um espólio de milhares de peças (algumas únicas no mundo) e o problema é que o problema do Museu da Ciência e da Técnica não se resolve. O Museu da Ciência e da Técnica tem sete funcionários, que estão a receber – umas vezes não se sabe de quem, posso dizer, e o senhor Pró-Reitor Bandeirinha sabe que este mês foi a Universidade que lhes pagou. Eles não sabem quem lhes vai pagar para o próximo mês, não sabem a quem pertencem, não sabem o que fazer, procuram ocupar o seu tempo, de uma forma indecorosa (preferia não utilizar este termo, mas não me ocorreu outro). O Museu da Ciência e da Técnica tem um espólio extraordinário – eu conheço, não estou a falar de cor, tem peças extraordinárias que estão armazenadas e a que ninguém tem acesso. Coimbra não pode viver com este impasse há cerca de dois anos. É realmente penoso e portanto isto tem de ser resolvido. Foi isto que me trouxe aqui. Sem entrar em acusações fáceis, apesar da promessa do Magnífico Reitor e do Vereador da Cultura e do Presidente da Câmara, de lançarem as bases para a criação de um futuro Museu, em Novembro de 2004, no jornal As Beiras, acontece que hoje (estamos em 2008), tudo continua na mesma. Em jeito de terminus, apenas pedia que realmente se tivesse atenção uma forma de “ressuscitar” este maravilhoso espólio, porque Coimbra não se pode dar ao luxo de desprezar um espólio destes, a ser desbaratado não sei como, vá para Lisboa, vá para outro lado qualquer. Coimbra tem, nomeadamente, a Baixa – lembro-vos que a Baixa não tem nenhum museu. Não preconizo um museu morto, eu preconizo museus vivos e interactivos. Este museu podia perfeitamente ir para a Baixa – temos lá por exemplo o antigo quartel da Rua da Sofia –, criar um museu vivo e interactivo.

Em jeito de solicitação, peço aos promotores deste encontro que realmente tratem desta questão como ela deve ser tratada.



Abílio Hernandez



Muito obrigado.

A questão do Museu da Ciência e da Técnica é uma questão importante, mas provavelmente o arquitecto Bandeirinha poderá dizer alguma coisa sobre essa questão. Permita-me também que, muito rapidamente, diga o seguinte: referiu que o texto tem algum sintoma de partidarite que eu teria tentado amenizar no início. Não foi por isso. Disse o que disse porque pensava que era importante fazer aqui a reflexão, como eu penso que se fez, que vai muito para além da questão local da intervenção autárquica. Isso fizemos no texto. Eu não tenho partido, também. Subscrevi o texto, não por razões de partidarismo: não preciso de nenhum partido para ter uma intervenção cívica. Foi nesse aspecto que eu intervim e assinei o texto – como cidadão desta cidade. Chega-me, não preciso de ter um partido.

Quanto a ele ter uma linguagem de esquerda, admito que sim – fomos nós que o fizemos. Eu não enjeito isso. Eu sei que a cultura não é de esquerda nem é de direita. Mas há políticas de esquerda e há políticas de direita. Aquilo que está no texto, aquilo que eventualmente nós dissemos de formas diversas, admito – mais do que admito, eu desejo – que pareça ser uma proposta de uma política de esquerda, porque na minha óptica a política de esquerda para a cultura distingue-se de uma política de direita. Por acaso não falámos disso aqui mas podemos falar sobre essa questão. Sou um homem de esquerda, não tenho partido, desejo que o texto manifeste essa perspectiva de esquerda, não desejo que o texto manifeste uma óptica partidária. Se manifesta isso eu peço desculpa, porque não era essa a ideia do texto.

Muito obrigado pela sua intervenção.



OUVIR INTERVENÇÕES: