Eu penso que este problema da cultura é um problema complicado. Não vale a pena simplificá-lo e nem sequer dizer que ele é de direita ou é de esquerda. Eu assinei o documento da cultura – este documento “Pelo direito à cultura e pelo dever da cultura” – e tenho que dizer que não foi por ser de esquerda. Vamos dizer que sou, mas não foi por isso, não é esse o motivo. Quero dizer que também o assinei com alguma incomodidade, conforme comuniquei. De alguma maneira, aceito que aquele documento é um documento bastante polémico, talvez também conjuntural, relativamente a determinados problemas concretos que ali são colocados. Penso que o documento deveria ter sido mais amplo e talvez mais consensual. Eu não escuso esta palavra, embora goste mais da palavra convergente – penso que realmente ele deveria ser mais convergente.
Este é um problema inicial. Mas porque é que eu assinei? Assinei porque acho que esta cidade se bate pouco pela cultura. Bate-se muito pouco pela cultura, temos que dizer isto. Às vezes aparecem impulsos momentâneos, fogachos, nem sempre oportunos, e que desaparecem. Veja-se o caso do que se passou com o Sousa Bastos: houve um certo movimento, mas que desapareceu, de repente. Não se teve a mesma posição relativamente ao nosso Teatro Avenida, que era o teatro mais emblemático da cidade. Nem sequer se esboçou um movimento – eu assinei um artigo e uma colega assinou outro, no Jornal de Coimbra.
O que eu acho que esta cidade tem é uma falta de identidade cultural muito forte. Não estou a dizer que esta cidade é uma cidade provinciana – agora aparece muito esta palavra relativamente à Universidade –, mas interrogo-me constantentemente se esta cidade é uma cidade de cultura, isto é, se ela tem realmente cultura em quantidade e em qualidade. Essa é uma questão que eu acho que se deve colocar. E penso que aparece por vezes determinado tipo de intelectuais... Não estou agora aqui a fazer eco do que foi dito pelo Luis Quintãs, mas recordo-me que, há uns tempos atrás, ouvi uma entrevista na rádio de uma ilustre política de esquerda que dizia que tinha saído de Coimbra para Lisboa porque realmente não havia cultura em Coimbra. Eu francamente olhei e pensei assim: eu nunca vi aquela senhora em nenhum espaço cultural. Até a conheço e nunca a vi em nenhum espaço cultural, em lado nenhum, no cinema, no teatro, em conferências. Por isso pergunto se certas críticas que se fazem à nossa cidade, têm, efectivamente, algum significado. Eu acho que têm, mas é preciso encontrar-lhe o significado. Aí é que está o problema, é preciso encontrar-lhe o significado.
Em primeiro lugar, era preciso, evidentemente, pensar o que é a cultura. Cultura é muita coisa e nós temos oferta cultural, em termos científicos, em termos literários, em termos artísticos. Temos muita oferta cultural, que é dada, em grande parte – não vamos negar isso –, pela Universidade, com colóquios, congressos, conferências constantes. Muitas vezes não têm gente, mas em Lisboa acontece exactamente a mesmíssima coisa. Eu penso é que falta identidade cultural e uma estratégia cultural. A gente quando vai a uma cidade percebe se realmente a cidade respira cultura ou não respira cultura. E como é que nós percebemos se ela respira cultura ou não respira cultura? Naturalmente, quando tem teatro (aí estou em desacordo completo com o Luis Quintãs – eu sou um amante do teatro, temos excelentes companhias de teatro, eu vou ao teatro, a várias companhias que aqui há e aliás acho que fazem coisas excepcionais com o espaço miserável, permitam-me dizer isto, com o espaço miserável que têm). Mas, dizia eu, por que é que realmente uma cidade é conhecida? É porque realmente tem uma boa oferta cultural, em termos de teatro ou em termos de ciência, ou em termos de cultura literária, de colóquios. Nós temos constantemente isto. O que nós não temos são grandes espaços culturais. Estamos aqui no único espaço cultural e não é da cidade, é da Universidade. Não temos nenhum espaço cultural, deixámos matar os nossos espaços culturais: matou-se o Avenida, matou-se o Sousa Bastos, matou-se o Tivoli, matou-se tudo e o que é que houve, o que é que se criou? Aí é que está a outra grande questão – criaram-se os grandes centros comerciais à volta da cidade. Florença não permite centros comerciais deste tipo. É só um pequeno exemplo (vim de Florença há pouco tempo, por razões profissionais): não se permitem estes centros comerciais.
Ora bem, e a Alta e a Baixa? A Alta e a Baixa realmente deixaram de ser centros culturais. Há bocado o Luis Quintãs dizia: não há um museu na Baixa. Mas, já agora, também não há um museu na Alta. O único museu da Alta é o Machado de Castro, que está em construção e espero que tenha um bom sucesso. Realmente, a nossa Alta e a nossa Baixa estão perfeitamente destruídas como espaço urbano, como espaço social, como espaço de cultura. Não há espaços de cultura e estão em destruição completa – na Baixa, obviamente (isso vê-se), mas, na Alta, veja-se o Colégio da Trindade. Quando caiu o Colégio da Trindade, eu escrevi um artigo para o jornal que dizia isto: ainda bem que caiu a Trindade. E porquê? Porque pensei: bem, caiu a Trindade, agora vai-se reerguer, vai-se restaurar a Trindade. Há quantos anos isso aconteceu, há quantos anos isso aconteceu. Quer dizer, nós realmente não temos nenhum espaço cultural, nem espaço cultural como grande sala – o grande teatro, se quiserem, ou pequeno teatro, mais ou menos grande, mais ou menos pequeno, isso não importa, fundamentalmente. Não temos espaços culturais urbanos, não os temos. Nós fizemo-los substituir pelos centros comerciais, ainda para mais com mau cinema. Eu vou ao cinema (até me vou embora daqui para ir ver um filme), mas normalmente os filmes… Aqui o Gil Vicente está a desempenhar um papel fundamental (eu já cá vim) exactamente trazendo filmes que não vieram cá, que não vieram a esta cidade cultural.
Na verdade, é difícil dizer o que ela é, porque reparem bem: ali na entrada da cidade havia “Cidade Museu”. Depois passou a “Cidade do Conhecimento”. Fala-se também da “Cidade da Saúde”. Já estou como dizia aqui assim o meu amigo Arnaut, brincando: parece-me realmente que não passamos da tal “Coimbra é uma canção”.
Temos que pensar – e isto é que tem que ser discutido – o que é que faz de uma cidade uma cidade cultural. É ter teatro. Jornais. Por que é que a gente vai comprar o Público? Porque de qualquer maneira há ali uma crítica de cinema, há uma crítica de teatro. A gente aqui não tem. Estas questões fundamentais é que eu penso que dificilmente fazem de Coimbra uma cidade com uma identidade cultural. Um museu! Foi falado aqui pelo Luis Quintãs. Eu protestei vivamente contra a extinção do Museu da Ciência e da Técnica. Ele praticamente foi extinto, para ser substituído por um Museu Universitário, muito interessante, no Laboratório Chimico. Muito bem. Mas também na Universidade não há uma política de museus, como todos nós sabemos. Durante todo o tempo que estive no Senado, durante 15 anos, bati-me por uma política de museus. Não há uma política de museus. Criou-se um museu, pensa-se que vão ser criados mais museus, é certo, mas um museu que seja efectivamente o pólo de atracção cultural podia ser o Museu da Ciência e da Técnica. Destruíram o Museu da Ciência e da Técnica, como destruíram o Museu de Arte Popular. Eu protestei contra o seu encerramento, até orientei uma tese de mestrado sobre o Museu de Arte Popular. Protestei contra a extinção da Arte Popular. Infelizmente, quando falo de qualquer coisa, aquilo desaparece. A dada altura, estive a reorganizar ou a reestruturar o Museu da República em Aveiro. Destruíram o Museu da República em Aveiro, não existe já. De repente, acabaram com o Museu da República de Aveiro.
Concluindo, o que queria dizer, em síntese, é que realmente há muita oferta cultural, mas há falta de identidade cultural e há falta de estratégia cultural. É neste aspecto que eu acho que nós devemos fazer a crítica à própria Câmara Municipal. Não tenhamos medo da palavra. Porque eu confesso que depois de ter lido aquele documento, tão circunstanciado, demasiado circunstanciado, demasiado polémico, e depois de ouvir as vossas reflexões, parecia que estava num mundo das nuvens. Tirando alguns aspectos que foram considerados e concretizados – o tal Museu da Arte Popular, referido a determinada altura e em que me revi particularmente – a verdade é que não entrámos concretamente nesta questão da nossa cidade. Isto o que é, esta cidade? É uma cidade cultural? É uma cidade que tem influência cultural, que tem intervenção cultural no país? Falou-se aqui da bipolarização (que eu não sei se é bipolarização ou se é unipolarização), mas de qualquer maneira temos o Museu de Serralves, temos a Casa da Música, onde nós vamos. Aqui o que é que se vem ver? Vem-se ver a Universidade, reparem bem, vai-se ao Portugal dos Pequenitos – é um museu de referência, dos mais visitados, toda a gente sabe disso. Agora, não há referências, nós não temos grandes referências culturais. Temos uma falta de identidade cultural e uma falta de estratégia cultural e isto é que podemos criticar altamente na nossa câmara, nas nossas câmaras, atenção, nas nossas câmaras que deixaram destruir o Avenida, deixaram destruir o Sousa Bastos, deixaram destruir ou transformar o Tivoli numa multinacional qualquer, que já é outra, porque as coisas não dão e depois passam para outra empresa, enfim.
Penso que disse aquilo que eu pensava ser essencial. Não é a minha concepção de cultura, eu penso que é a concepção de cultura que nós devemos ter.
Muito obrigado.
Este é um problema inicial. Mas porque é que eu assinei? Assinei porque acho que esta cidade se bate pouco pela cultura. Bate-se muito pouco pela cultura, temos que dizer isto. Às vezes aparecem impulsos momentâneos, fogachos, nem sempre oportunos, e que desaparecem. Veja-se o caso do que se passou com o Sousa Bastos: houve um certo movimento, mas que desapareceu, de repente. Não se teve a mesma posição relativamente ao nosso Teatro Avenida, que era o teatro mais emblemático da cidade. Nem sequer se esboçou um movimento – eu assinei um artigo e uma colega assinou outro, no Jornal de Coimbra.
O que eu acho que esta cidade tem é uma falta de identidade cultural muito forte. Não estou a dizer que esta cidade é uma cidade provinciana – agora aparece muito esta palavra relativamente à Universidade –, mas interrogo-me constantentemente se esta cidade é uma cidade de cultura, isto é, se ela tem realmente cultura em quantidade e em qualidade. Essa é uma questão que eu acho que se deve colocar. E penso que aparece por vezes determinado tipo de intelectuais... Não estou agora aqui a fazer eco do que foi dito pelo Luis Quintãs, mas recordo-me que, há uns tempos atrás, ouvi uma entrevista na rádio de uma ilustre política de esquerda que dizia que tinha saído de Coimbra para Lisboa porque realmente não havia cultura em Coimbra. Eu francamente olhei e pensei assim: eu nunca vi aquela senhora em nenhum espaço cultural. Até a conheço e nunca a vi em nenhum espaço cultural, em lado nenhum, no cinema, no teatro, em conferências. Por isso pergunto se certas críticas que se fazem à nossa cidade, têm, efectivamente, algum significado. Eu acho que têm, mas é preciso encontrar-lhe o significado. Aí é que está o problema, é preciso encontrar-lhe o significado.
Em primeiro lugar, era preciso, evidentemente, pensar o que é a cultura. Cultura é muita coisa e nós temos oferta cultural, em termos científicos, em termos literários, em termos artísticos. Temos muita oferta cultural, que é dada, em grande parte – não vamos negar isso –, pela Universidade, com colóquios, congressos, conferências constantes. Muitas vezes não têm gente, mas em Lisboa acontece exactamente a mesmíssima coisa. Eu penso é que falta identidade cultural e uma estratégia cultural. A gente quando vai a uma cidade percebe se realmente a cidade respira cultura ou não respira cultura. E como é que nós percebemos se ela respira cultura ou não respira cultura? Naturalmente, quando tem teatro (aí estou em desacordo completo com o Luis Quintãs – eu sou um amante do teatro, temos excelentes companhias de teatro, eu vou ao teatro, a várias companhias que aqui há e aliás acho que fazem coisas excepcionais com o espaço miserável, permitam-me dizer isto, com o espaço miserável que têm). Mas, dizia eu, por que é que realmente uma cidade é conhecida? É porque realmente tem uma boa oferta cultural, em termos de teatro ou em termos de ciência, ou em termos de cultura literária, de colóquios. Nós temos constantemente isto. O que nós não temos são grandes espaços culturais. Estamos aqui no único espaço cultural e não é da cidade, é da Universidade. Não temos nenhum espaço cultural, deixámos matar os nossos espaços culturais: matou-se o Avenida, matou-se o Sousa Bastos, matou-se o Tivoli, matou-se tudo e o que é que houve, o que é que se criou? Aí é que está a outra grande questão – criaram-se os grandes centros comerciais à volta da cidade. Florença não permite centros comerciais deste tipo. É só um pequeno exemplo (vim de Florença há pouco tempo, por razões profissionais): não se permitem estes centros comerciais.
Ora bem, e a Alta e a Baixa? A Alta e a Baixa realmente deixaram de ser centros culturais. Há bocado o Luis Quintãs dizia: não há um museu na Baixa. Mas, já agora, também não há um museu na Alta. O único museu da Alta é o Machado de Castro, que está em construção e espero que tenha um bom sucesso. Realmente, a nossa Alta e a nossa Baixa estão perfeitamente destruídas como espaço urbano, como espaço social, como espaço de cultura. Não há espaços de cultura e estão em destruição completa – na Baixa, obviamente (isso vê-se), mas, na Alta, veja-se o Colégio da Trindade. Quando caiu o Colégio da Trindade, eu escrevi um artigo para o jornal que dizia isto: ainda bem que caiu a Trindade. E porquê? Porque pensei: bem, caiu a Trindade, agora vai-se reerguer, vai-se restaurar a Trindade. Há quantos anos isso aconteceu, há quantos anos isso aconteceu. Quer dizer, nós realmente não temos nenhum espaço cultural, nem espaço cultural como grande sala – o grande teatro, se quiserem, ou pequeno teatro, mais ou menos grande, mais ou menos pequeno, isso não importa, fundamentalmente. Não temos espaços culturais urbanos, não os temos. Nós fizemo-los substituir pelos centros comerciais, ainda para mais com mau cinema. Eu vou ao cinema (até me vou embora daqui para ir ver um filme), mas normalmente os filmes… Aqui o Gil Vicente está a desempenhar um papel fundamental (eu já cá vim) exactamente trazendo filmes que não vieram cá, que não vieram a esta cidade cultural.
Na verdade, é difícil dizer o que ela é, porque reparem bem: ali na entrada da cidade havia “Cidade Museu”. Depois passou a “Cidade do Conhecimento”. Fala-se também da “Cidade da Saúde”. Já estou como dizia aqui assim o meu amigo Arnaut, brincando: parece-me realmente que não passamos da tal “Coimbra é uma canção”.
Temos que pensar – e isto é que tem que ser discutido – o que é que faz de uma cidade uma cidade cultural. É ter teatro. Jornais. Por que é que a gente vai comprar o Público? Porque de qualquer maneira há ali uma crítica de cinema, há uma crítica de teatro. A gente aqui não tem. Estas questões fundamentais é que eu penso que dificilmente fazem de Coimbra uma cidade com uma identidade cultural. Um museu! Foi falado aqui pelo Luis Quintãs. Eu protestei vivamente contra a extinção do Museu da Ciência e da Técnica. Ele praticamente foi extinto, para ser substituído por um Museu Universitário, muito interessante, no Laboratório Chimico. Muito bem. Mas também na Universidade não há uma política de museus, como todos nós sabemos. Durante todo o tempo que estive no Senado, durante 15 anos, bati-me por uma política de museus. Não há uma política de museus. Criou-se um museu, pensa-se que vão ser criados mais museus, é certo, mas um museu que seja efectivamente o pólo de atracção cultural podia ser o Museu da Ciência e da Técnica. Destruíram o Museu da Ciência e da Técnica, como destruíram o Museu de Arte Popular. Eu protestei contra o seu encerramento, até orientei uma tese de mestrado sobre o Museu de Arte Popular. Protestei contra a extinção da Arte Popular. Infelizmente, quando falo de qualquer coisa, aquilo desaparece. A dada altura, estive a reorganizar ou a reestruturar o Museu da República em Aveiro. Destruíram o Museu da República em Aveiro, não existe já. De repente, acabaram com o Museu da República de Aveiro.
Concluindo, o que queria dizer, em síntese, é que realmente há muita oferta cultural, mas há falta de identidade cultural e há falta de estratégia cultural. É neste aspecto que eu acho que nós devemos fazer a crítica à própria Câmara Municipal. Não tenhamos medo da palavra. Porque eu confesso que depois de ter lido aquele documento, tão circunstanciado, demasiado circunstanciado, demasiado polémico, e depois de ouvir as vossas reflexões, parecia que estava num mundo das nuvens. Tirando alguns aspectos que foram considerados e concretizados – o tal Museu da Arte Popular, referido a determinada altura e em que me revi particularmente – a verdade é que não entrámos concretamente nesta questão da nossa cidade. Isto o que é, esta cidade? É uma cidade cultural? É uma cidade que tem influência cultural, que tem intervenção cultural no país? Falou-se aqui da bipolarização (que eu não sei se é bipolarização ou se é unipolarização), mas de qualquer maneira temos o Museu de Serralves, temos a Casa da Música, onde nós vamos. Aqui o que é que se vem ver? Vem-se ver a Universidade, reparem bem, vai-se ao Portugal dos Pequenitos – é um museu de referência, dos mais visitados, toda a gente sabe disso. Agora, não há referências, nós não temos grandes referências culturais. Temos uma falta de identidade cultural e uma falta de estratégia cultural e isto é que podemos criticar altamente na nossa câmara, nas nossas câmaras, atenção, nas nossas câmaras que deixaram destruir o Avenida, deixaram destruir o Sousa Bastos, deixaram destruir ou transformar o Tivoli numa multinacional qualquer, que já é outra, porque as coisas não dão e depois passam para outra empresa, enfim.
Penso que disse aquilo que eu pensava ser essencial. Não é a minha concepção de cultura, eu penso que é a concepção de cultura que nós devemos ter.
Muito obrigado.
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