Debate



Paulo Peixoto


Eu gostava de vincar um aspecto que já foi aqui dito mas que eu gostaria de deixar mais explícito: do meu ponto de vista, fica um pouco difícil discutir o valor estratégico da cultura se não se perceber o paradoxo que existe (e que existe muito visível em Coimbra) entre aquilo que é ou que pode ser uma oferta cultural dinâmica (ou até bastante dinâmica) e a inexistência ou quase inexistência de uma política cultural.

Acho que é esse paradoxo que muitas vezes nos limita, ou limita quem gere estas questões, na capacidade de percepção do que é e do que pode ser o valor estratégico da cultura. Por um conjunto de razões que foram aqui apontadas e que eu não vou repetir, eu diria apenas que Coimbra tem, em vários campos, uma oferta cultural que até é dinâmica. Diria também que uma cidade pode ter políticas sectoriais dinâmicas (não estou a dizer que tenha, mas que pode ter uma política dinâmica na área da protecção do património, por exemplo, ou noutra área qualquer) sem ter, necessariamente, uma política cultural, que eu acho que falta na nossa cidade como falta noutras cidades, sem prejuízo de existir muitas vezes uma oferta cultural dinâmica. Por dois aspectos que ressalvaria aqui: para percebermos este valor estratégico da cultura e o que é que é efectivamente uma política cultural, é fundamental perceber-se que a política cultural é uma coisa ampla, não é uma coisa segmentada, ou seja, nós temos sempre que ter por detrás da ideia do que é uma política cultural a ideia de que a política cultural é, ao mesmo tempo, uma política territorial – conceber e pensar um território (no caso, a cidade) – mas também é uma política social, no sentido em que procura responder a problemas sociais concretos – pode ser, por exemplo, a integração de uma determinada comunidade, de uma minoria étnica.

Pensada nessa dupla relação entre território e projecto de intervenção social, a cultura tem, obviamente, um valor estratégico forte. Se pensarmos a cultura apenas enquanto oferta cultural, podemos muitas vezes ter uma ideia (enquanto gestores da cultura, gestores locais) de que estamos a investir fortemente na cultura, sem termos forçosamente uma política cultural. Eu acho que é isso (e esse aspecto foi aqui de algum modo aludido) que tem faltado um pouco numa cidade como Coimbra. Até porque se se tiver esta concepção de que a política cultural corresponde à oferta cultural, em tempo de dificuldades orçamentais, facilmente se chega à conclusão de que afinal se pode cortar na festa, de que se pode cortar um pouco em tudo, porque afinal aquilo é só festa. O que é fundamental do meu ponto de vista é que nós tenhamos consciência (e que façamos a nossa intervenção nesse sentido) de que a política cultural é tanto mais necessária quanto mais uma cidade tem problemas, porque ela existe justamente para responder a esses problemas. E se há uma coisa que não falta na nossa cidade são, obviamente, problemas.

Eu acho que esta é a questão fundamental e que muitas vezes há na lógica da gestão da cultura esta incapacidade de perceber que não se está a fazer política cultural quando se está a apoiar a cultura. Por isso é que é fundamental, na promoção de uma política cultural, substituir a lógica de subsidiar a cultura pela lógica de contratualizar (plurianualmente, de preferência) com as entidades que têm projectos de intervenção social, projectos de intervenção territorial, para responder a problemas concretos. Se não, estamos a fazer aquilo que alguns dos elementos da mesa frisavam e muito bem: intervenções avulsas que, no fundo, não correspondem a qualquer tipo de política cultural, embora possam dar uma noção, pela existência de oferta cultural, de que a cultura existe. Isso é o que penaliza bastante as intervenções em Coimbra.


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