O Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) reuniu ontem José Reis (professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e ex-secretário de Estado do Ensino Superior), João Maria André (encenador da companhia Bonifrates e antigo director do mesmo teatro) e Manuel Portela (director do TAGV), que deram voz a um manifesto de ruptura face à política cultural da autarquia.
«Coimbra é hoje uma cidade amarfanhada do ponto de vista cultural, que só não se tornou absolutamente insignificante a nível nacional graças à actividade que, no limiar da sobrevivência, os poucos agentes sociais que ainda restam conseguem ir desenvolvendo», lê-se no documento intitulado "Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura!".
«A Câmara Municipal de Coimbra (CMC) já não se limita a não apoiar devidamente a actividade cultural e assume-se, pelo contrário, como um elemento dificultador e tendencialmente destruidor do potencial de criação artística que a cidade possui e que é uma das suas principais mais-valias», sustenta o comunicado.
As críticas continuam: «A CMC fez manifestamente muito pouco para seis anos de mandato e é sobretudo muito triste que Coimbra continue espartilhada nesta forma de encarar a actividade cultural. Por isso tomamos esta posição pública, para apelar a uma urgente inversão de rumo, antes que seja demasiado tarde e Coimbra perca em definitivo qualquer possibilidade de se afirmar como pólo cultural de referência que pode efectivamente ser», conclui o documento.
O texto reclama ainda «respeito para os agentes culturais», refere que as verbas para a cultura são hoje menos 80% que em 2004 e avança que o programa e o regulamento de apoio à actividade cultural das colectividades «já não é cumprido pela câmara desde o ano das eleições
autárquicas».
À margem do documento, José Reis acrescentou que, em Coimbra, «os agentes culturais não são bem tratados pela autarquia». «Uma cidade que não reflecte sobre si é uma cidade morta. E é isso que não queremos. Queremos atribuir responsabilidades municipais e também a nós próprios, agentes da cultura», continuou. «Queremos que a nossa influência tenha algum impacto na política cultural da autarquia, ainda durante este mandato», referiu José Reis, que recordou que «a cultura é hoje das actividades que mais retornos dá a quem investe nela».
João Maria André salientou que o documento «é um grito de insatisfação pela forma como os projectos culturais são tratados e face à ausência de uma política cultural». «Não é apenas uma atitude crítica que nos move, mas também o reconhecimento do papel que a cultura pode ter na
construção do espaço público», sustentou.
Texto crítico é apenas um ponto de partida
O texto ontem divulgado é apenas o ponto de partida da iniciativa. «Para que outros cidadãos que partilham uma visão positiva da cultura se juntem ao movimento e assinem este documento» foi criado o blog www.amigosdacultura2008.blogspot.com, que contém ainda vários textos sobre o tema, publicados pela imprensa nos últimos dois anos.
Neste momento, personalidades ligadas à cultura, política e ensino já subscreveram o documento. Abílio Hernandez (professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e presidente da Coimbra Capital da Cultura 2003), António Marinho e Pinto (actual bastonário da Ordem dos Advogados), Carlos Fiolhais (cientista e professor universitário) e Albano Silva Pereira (director do Centro de Artes Visuais de Coimbra) são alguns exemplos dos subscritores. Os organizadores da iniciativa pretendem ainda promover, a 20 de Fevereiro, no TAGV, um debate sobre o papel das artes no desenvolvimento estratégico da cidade. O objectivo passa por apontar medidas que melhorem a situação cultural da cidade, dando continuidade ao documento ontem apresentado.
O grupo de subscritores, agora mais alargado, já tinha emitido, em Dezembro de 2005, um documento que revelava a preocupação com a forma como estava a ser conduzida a política cultural da Câmara Municipal de Coimbra, intitulado "O saneamento básico da cultura".
Bruno Vicente, Diário de Coimbra, 24/01/08