Descaminhos da cultura em Coimbra

Catarina Martins
(Jornal de Notícias, 12 de Abril de 2007)



Nas últimas eleições autárquicas, a candidatura do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Coimbra apresentou um programa centrado numa concepção alargada de política cultural. Na sequência do que fizéramos quatro anos antes, propúnhamos uma estratégia de desenvolvimento assente na articulação e na valorização das potencialidades da cidade nas áreas da cultura, do conhecimento e do turismo, tendo em conta os impactos económicos e sociais deste tipo de aposta.

Verificamos hoje que foram dados significativos passos atrás nesta matéria. Com uma ou duas estranhas excepções, os agentes culturais debatem-se com enormes dificuldades, que não têm unicamente a ver, sequer, com o corte dos apoios financeiros: acusados de lesarem o interesse municipal, os criadores e programadores artísticos da cidade são publicamente humilhados pela CMC. E os cidadãos que contra isso protestam são acusados de “amiguismo” pelo Presidente da Cãmara.

Não se vislumbra qualquer ideia sobre a forma como irão funcionar os equipamentos que existem, enquanto continuam a ser apresentados os “projectos” de novos equipamentos – a Casa da Escrita, o Teatro Municipal, a Casa do Conhecimento – cujos programas, objectivos e modelos de gestão nunca foram revelados e, muito menos, discutidos. Aprovada à pressa numa Assembleia Municipal para o qual o BE tinha proposto a discussão do assunto, a comissão que devia preparar a candidatura a Capital Europeia da Cultura nunca chegou, sequer, a ser constituída. O orçamento para a cultura baixou mais de 60% ao longo dos dois últimos anos. O Vereador que antes não tinha competência para gerir o dossiê da “Coimbra 2003” viu reforçadas as suas atribuições, na exacta medida em que o anedotário da cidade, da internet aos corredores da própria Casa Municipal da Cultura, vê alargado o seu espólio.

Quando, até por causa das dificuldades financeiras tão propagandeadas pela CMC, seria necessário desenvolver laços de parceria e de confiança entre a Câmara e os agentes culturais, assistimos precisamente ao oposto: à hostilização e ao enxovalho de quem faz da criação artística a sua profissão, nalguns casos com percursos de vários anos, reconhecidos nacional e internacionalmente. Mais do que dinheiro, falta ao executivo de Carlos Encarnação a vontade e a capacidade de compreender o papel da actividade cultural no desenvolvimento e na afirmação da cidade. E a consciência de que o prestígio de um presidente da câmara não vem nunca das festas com que é cortejado mas antes do arrojo, da visão e da profundidade da sua mobilização de recursos e vontades.