A propósito d'A Escola da Noite: responsabilidade ou irresponsabilidade?

Pro Urbe
(Diário de Coimbra, 10 de Dezembro de 2006)



Em 2001, a propósito da elaboração de um relatório sobre a situação da Cultura em Coimbra, um grupo formado no seio da Pro Urbe, anunciava três áreas deficitárias: infra-estruturas; programação e apoios; públicos e divulgação.

Cinco anos passaram, entretanto. E à luz dos acontecimentos actuais não é difícil adivinhar qual seria o resultado de um novo diagnóstico à situação presente de deriva de estratégia cultural autárquica: desperdício de infra-estruturas; programação fortuita; apoios por pagar; públicos desmoralizados e divulgação nacional da imagem de uma cidade tacanha.

Vem isto a propósito do anúncio recente da eminente paragem da actividade d'A Escola da Noite por problemas financeiros graves, resultantes do não pagamento do subsídio da Câmara Municipal de Coimbra à actividade do grupo para 2005 (e atenção que não é gralha: actividade do grupo para 2005).

Gostaríamos de duvidar da necessidade de dar conta da relevância do trabalho desta estrutura para a cidade, até porque o próprio município, ao dar ininterruptamente apoio à sua actividade desde 1995, dá sinais inequívocos dessa importância, mas... A Escola da Noite é a primeira companhia de teatro profissional a nascer em Coimbra e foi devido à sua existência e actividade que foi edificada a Oficina Municipal do Teatro (onde ficará companhia residente o Teatrão) e o Teatro da Cerca de São Bernardo. É uma estrutura que o Ministério da Cultura, a Universidade de Coimbra, o Ministério da Educação, a Fundação Calouste Gulbenkian, entre tantas outras instituições, têm reconhecido como a interlocutora na prestação de serviço público de teatro na cidade.

Naturalmente, causa-nos grande preocupação a situação da companhia, que se limita a pedir o cumprimento do acordo. Mas, tão ou mais preocupante, é a forma como os responsáveis da CMC, depois de forçados a responder, tratam a resolução desta questão: pagam quando pagarem! E vão avisando de que não são susceptíveis de ceder a pressões mediáticas provocadas pela companhia.

Neste momento importa-nos então saber se esta Câmara é capaz de cumprir com o que se compromete. Afinal, a responsabilização dos autarcas pelo cumprimento das deliberações que aprovam não pode ser entendida como uma pressão à qual será dada resposta quando for... Às acusações recentes de indefinição de uma estratégia cultural para a cidade temos que nos questionar agora sobre o que significa esta incapacidade de execução das políticas definidas pelo próprio executivo...

Mas no respeitante à política cultural da autarquia devemos reconhecer que a maioria fala agora a uma só voz. Relativamente às infra-estruturas, são tão esclarecedoras as declarações do Senhor Dr. Marcelo Nuno como tinham sido as do Senhor Dr. Mário Nunes, ambos vereadores da Câmara Municipal de Coimbra. Afinal, tanto a Oficina Municipal do Teatro como o Teatro da Cerca de São Bernardo são um mal não necessário. Relativamente a estas obras o actual executivo oscila entre a propaganda política (anunciando a execução dos edifícios como obra feita nos folhetos de campanha), a utilização desqualificada e indiferenciada (a autorização da instalação da Feira do Espírito Santo junto à Oficina Municipal do Teatro, a realização da extracção da lotaria popular, etc.) e uma inesperada desresponsabilização.

Afinal, a contribuição dos gastos na edificação e conservação destas obras que deixa na penúria o edil deve ser atribuída à companhia A Escola da Noite. Percebemos agora as declarações, nunca desmentidas, do Vereador da Cultura, em Dezembro passado, quando se queixava das "pipas de massa" que dizia despender com A Escola da Noite e afirmava que o protocolo que mantinha com o grupo era lesivo dos interesses do município: a companhia é mesmo parte responsável pelo endividamento da cidade!

É assim bem claro que a importância para o desenvolvimento local da existência de equipamentos qualificados, o incentivo a uma actividade cultural diversa, a criação de condições para o estabelecimento e fortalecimento de estruturas profissionais de criação artística, tem validade nula ou não percebida pelo actual executivo.

Na resposta a Eduardo Prado Coelho, Carlos Encarnação queixou-se que o que estava em discussão era o montante dos subsídios e não a política cultural da autarquia. O que tem Carlos Encarnação para dizer agora que já não é o montante dos subsídios mas o seu pagamento que está em causa? Será que para quem foi correcto falar em "amiguismo" é correcto falar em "caloteirismo"? Será que pode continuar a afirmar, como o fez então, que Coimbra, "sem prejuízo das opiniões contrárias", é "uma lição de responsabilidade"?

A lição de política cultural autárquica conimbricense é agora outra: irresponsabilidade no cumprimento dos compromissos estabelecidos unanimemente e livremente e isso não pode deixar de nos preocupar seriamente e ser denunciado.