Sobre um debate em Coimbra (ou no país?)

José Manuel Pureza
(Cinco Dias, 21 de Fevereiro de 2008)



Há um Presidente de Câmara que diz que nunca se investiu tanto em cultura porque há obras na calha para um centro de congressos e está para abrir um teatro que está pronto há mais de três anos. Há um vereador da cultura que reclama nos jornais que os protocolos com agentes culturais lhe custam “uma pipa de massa”. E há gente que não se fica e vem à rua dizer que isto é uma vergonha. “É amiguismo”, reage o Presidente, “querem é subsídios para os amigos”.

Há amigos da cultura, sim senhor. A tal ponto que se põem a imaginar, em vozes plurais, onde os leva essa amizade. Como pode a cultura ser motor do desenvolvimento das cidades?, tão simples como isto. Que papel terá a cultura na cidade prometida e como o vamos materializando na cidade concreta?

Pensarmos isto em Coimbra é pensarmos o país e percebermos, magoados, como somos tão pouco europeus: desde a total ausência de uma rede de cidades médias substituída por uma bipolarização territorial que eucaliptiza o país, até à natureza avulsa da intervenção pública (central e autárquica) no domínio cultural, passando pelo desbaratar aviltante de capital instalado na diferenciação (cultural, claro) das concentrações urbanas ou pela repetição preguiçosa da ladainha do pecado da subsidiodependência – tudo nos mostra que a Europa está desgraçadamente longe daqui.

Pensarmos isto é também interrogarmos o desenvolvimento que temos. É reclamarmos que o lugar da cultura não é “um” lugar, acantonado e insular, nesse desenvolvimento mas os lugares todos, aqueles em que a sociedade respira, se revitaliza e se transforma a cada momento (não é isto o desenvolvimento?). É percebermos que a criatividade é a irmã gémea dessa respiração colectiva, mas que criatividade sem estratégia é fogo fátuo. É, enfim, darmos rosto político à consciência de que verdadeiramente é a cultura a única possibilidade de pôr o travão da solidez à deriva de liquefacção que marca crescentemente a nossa esfera pública.

Não sei se os “Amigos da Cultura” (www.amigosdacultura2008.blogspot.com), em Coimbra e no país, conseguirão impor como inevitável nas próximas eleições locais o slogan “It’s culture, stupid!”. Mas, diante da grandeza das tarefas que este debate nos exige, respira-se por aqui um irreprimível “Yes, we can!”