Crítico literário

João Silva
(Jornal de Notícias, 30 de Janeiro de 2008)



Quando no início do seu primeiro mandato o presidente Carlos Encarnação determinou a alteração da ordem dos objectivos da Câmara, inscritos no Plano de Actividades, passando para o fim das prioridades a Educação e a Cultura, ninguém reagiu, mas esse era o primeiro sinal do desastre cultural que ameaçava Coimbra.

Quando se leu a peça brilhante, escrita pelo próprio presidente Carlos Encarnação, a delegar competências nos vereadores e se viu que, formalmente, havia um vereador com atribuições específicas para a Cultura Popular(?!), houve alguns sorrisos condescendentes.

Quando se percebeu que, na prática, o presidente Carlos Encarnação não tinha qualquer ideia nem estratégia para Coimbra e que a sua acção política vogava ao sabor das circunstâncias, criando uma Câmara monstruosa para empregar clientelas e que se esgotava financeiramente num despesismo infrene, poucos reagiram.

Aliás, no seu primeiro mandato, onde se encontram as verdadeiras e grandes razões para os males que vamos sofrendo, o presidente Carlos Encarnação contou com o apoio de muitos ilustres cidadãos a quem custava acreditar que o vazio de ideias e de projectos pudesse ser tão profundo e a má gestão tão intensa.

Também neste mandato contou com o apoio activo e empenhado não só das forças políticas da Direita, a sua base de apoio político-partidário, mas também da CDU cujo vereador se transformou no seu mais fiel apoiante, votando sistematicamente os planos de actividades e os orçamentos de desgraça, nomeadamente para a Cultura.

Quando, em Dezembro de 2005, surge uma tomada de posição pública, com o documento "O saneamento da cultura", denunciando o "ataque cerrado" por parte da Câmara à actividade cultural em Coimbra e a redução em 60% do valor orçamentado para 2006, era tarde para corrigir alguma coisa.

Nas eleições autárquicas de Outubro de 2005, o presidente Carlos Encarnação tinha voltado a vencer e agora até se dava ao luxo de acusar de "amiguismo" as tomadas de posição públicas de repúdio pelo desprezo votado pela Câmara aos agentes culturais.

Foi pena Coimbra não ter percebido a profundidade e as consequências dos erros cometidos na Câmara, não só nesta área como em muitas outras, assim como acabou por ser dramático não ter havido capacidade por parte dos partidos da Oposição em apresentar soluções alternativas com um projecto mobilizador, nomeadamente a nível cultural, e protagonistas credíveis, pelo que vamos continuar a pagar com custos elevados uma gestão continuadamente desastrosa e culturalmente desamorosa para Coimbra.

Surge agora uma nova tomada de posição, com "Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura!" (http://www.amigosdacultura2008.blogspot.com/), que já recolheu centenas de subscritores e que é uma nova e forte condenação da política cultural da Câmara, ou melhor da sua ausência e cuja leitura deve, no mínimo, obrigar a pensar a política cultural em Coimbra em 2008.

Pois bem, a reacção do presidente Carlos Encarnação traduziu-se em elucidativas afirmações à Comunicação Social, tais como "Muitas das pessoas que subscreveram o documento nem sequer o leram." e "Documento menor, de muito pouca qualidade".

Foi o verdadeiro presidente Carlos Encarnação a falar. Fez o julgamento presunçoso de quem vê nos signatários do documento, porque o põem em causa, como uma cambada de inconscientes que, apesar das suas responsabilidades e estatuto, assinam documentos sem os ler.

Depois, demonstrou a sua natureza de político superficial, sem ideias, mistificador, que tenta fazer suas iniciativas doutros, que vive da imagem e para a imagem e que, perante uma pesada denúncia da suas políticas, mais não faz do que se assumir como crítico literário.