Coimbra: Grupo de cidadãos acusa Câmara de "destruir" potencial de criação cultural na cidade

23 de Janeiro de 2008, 15:26

Coimbra, 23 Jan (Lusa) - Cento e trinta cidadãos de Coimbra acusam a Câmara Municipal, num manifesto hoje divulgado, de assumir no plano cultural um papel "destruidor do potencial de criação artística" da cidade.

Segundo os subscritores do documento "Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura!", a autarquia "já não se limita a não apoiar devidamente a actividade cultural que aqui é feita".

"Assume-se, pelo contrário, como um elemento dificultador e tendencialmente destruidor do potencial de criação artística que a cidade possui e que é uma das suas principais mais-valias", acrescentam.

O texto, apresentado hoje em conferência de imprensa, no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), congrega 130 figuras dos meios cultural, académico e político de Coimbra que contestam a política cultural da autarquia liderada pelo social-democrata Carlos Encarnação.

Estão entre os signatários os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, o antigo presidente da Capital Nacional da Cultura - Coimbra 2003, Abílio Hernandez, a arqueóloga Adília Alarcão, o bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto, o antigo secretário de Estado do Ensino Superior José Reis, o director do TAGV, Manuel Portela, e o encenador João André.

José Manuel Pureza, professor de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra (UC), e António Arnaut, advogado e antigo ministro dos Assuntos Sociais, são outros dos subscritores.

Contactado pela ag��ncia Lusa, o presidente da Câmara de Coimbra considerou que as críticas do grupo de cidadãos "são injustas", tendo em conta, designadamente, os investimentos que a autarquia efectuou nos últimos seis anos na área dos novos equipamentos culturais.

Desvalorizando o conteúdo do texto divulgado, que considerou "muito pobre do ponto de vista cultural", Carlos Encarnação realçou que a autarquia investiu, desde 2002, 4,7 milhões de euros na construção da Oficina Municipal do Teatro e do Teatro da Cerca de S. Bernardo.

"Não há memória de uma administração municipal que investiu tanto dinheiro" na área cultural, disse.

O documento surge na sequência de um outro - "O saneamento básico da cultura" - igualmente crítico, divulgado há dois anos por 60 cidadãos, grupo agora alargado para 130.

"Dois anos depois, as piores expectativas foram ultrapassadas. Coimbra é hoje uma cidade amarfanhada do ponto de vista cultural, que só não se tornou absolutamente insignificante a nível nacional graças à actividade que, no limiar da sobrevivência, os poucos agentes culturais que ainda restam conseguem ir desenvolvendo", afirmam os apoiantes desta segunda intervenção conjunta em defesa do desenvolvimento cultural da cidade.

O orçamento da autarquia para 2008, afirmam, "é apenas o exemplo mais facilmente quantificável" de um comportamento da autarquia, que acusam de não dispor de um "plano estratégico cultural a curto, médio e longo prazo" para o município.

As verbas da Câmara para a cultura "sofreram um novo corte de três milhões de euros, sendo hoje menos 80 por cento do que em 2004", traduzindo o investimento municipal na cultura o seu "grau mais reduzido e insignificante".

"Não há definição de objectivos, não há definição, nem quantitativa nem qualitativa, de resultados a atingir, não há planificação dos recursos a mobilizar, não há definição nem de dinâmicas internas a desenvolver (...), nem de dinâmicas externas a incentivar", lê-se no documento, hoje aberto também à adesão de novos subscritores através de um "blog".

Por outro lado, os discursos dos responsáveis autárquicos demonstram "um vazio total de ideias sobre o papel da cultura no desenvolvimento da cidade e no exercício da cidadania".

Carlos Encarnação disse compreender, no entanto, a "permanente insatisfação" dos agentes culturais e intelectuais da cidade.

"É como que uma tensão criativa", observou. O autarca recordou que foram os dois executivos por si liderados que compraram e adaptaram das fins culturais as casas dos escritores Miguel Torga e João José Cochofel, tendo ainda avançado com o projecto de execução do Convento de S. Francisco.

O texto é assinado ainda pela deputada do PS Teresa Portugal (antiga vereadora do Cultura), Ana Pires (antiga delegada regional da Cultura do Centro), o cientista Carlos Fiolhais (director da Biblioteca Geral da UC), o jornalista João Mesquita, o ex-vereador socialista João Silva, o editor Joaquim Machado, o arqueólogo Jorge Alarcão, o professor universitário Rui Namorado, o secretário-geral da FENPROF, Mário Nogueira, e o historiador Reis Torgal.

Juntam-se também ao protesto o psiquiatra Francisco Allen Gomes, a jurista Eliana Gersão, o catedrático de Literatura Carlos Reis (ex-director da Biblioteca Nacional) e o sociólogo Boaventura Sousa Santos.

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