Francisco Curate
(Jornal de Notícias, 13 de Fevereiro de 2008)*
A cultura em Coimbra não há-de baquear como um rei vencido num tabuleiro de xadrez; não há-de cair ou declinar perante o reiterado filistinismo programático da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). E mesmo que caísse (agouro inadmissível), já teria arrojado um mobilizador grito de sedição e revolta. Os conimbricenses, e não só, arregimentaram-se em redor de um texto (“Pelo Direito à Cultura e pelo Dever da Cultura!”) que denuncia a inépcia das políticas culturais para a cidade promovidas pela CMC, pelo seu Presidente e, sobretudo, pelo seu Vereador da cultura. O manifesto desafia os cidadãos e a cidadania possível: mais de mil pessoas já o subscreveram (e leram). Entreteceram o seu nome ao desassossego e aos anseios expressos numa declaração que é já o avatar de uma outra, publicada em 2005.
Entretanto, a cultura resiste como pode, praticamente sem ajudas financeiras da autarquia. Emulando o Teatro Pobre, inspirado pelo polaco Jerzy Grotowsky, despojado de figurinos e cenário, de luz e de música (e até de texto), o refúgio da cultura é a “pobreza”; o estado de penúria material (mas não espiritual) que, se por um lado, coarcta a capacidade logística dos vectores culturais, por outro lado, força e instiga a criatividade e mitiga a “servidão” perante o poder que “paga” a lealdade e a complacência dos artistas e dos agentes culturais através do mecenato institucional.
Partir sem reunir alimento para a jornada é ingenuidade de andarilhos amadores. Quanto aos profissionais, a história é outra. Sem alternativa, cedem perante o despotismo do metal vil: para sobreviver carecem de dinheiro e este tem que vir de algum lado. Os mais expeditos safam-se, entre subsídios e esmolas de circunstância. Ou arranjam mecenas em troco da peregrinação e das promessas implícitas. Os mecenas sempre tiveram um papel crucial no fomento da Cultura e das artes. Leonardo, que não era nenhum burro, sabia-o. Tiepolo e Cranach também. E outros que seria fastidioso enumerar.
Em Portugal, a tradição de mecenato privado (aristocrático ou burguês) não existiu nunca. O patrocínio da cultura é feito, quase em exclusivo, pelo Estado e pelas autarquias. Em Coimbra deveria cumprir-se a norma: a cultura orçamentada pela Câmara com uma estratégia cultural pragmática e bem delineada; acautelando o bem-estar dos agentes culturais da cidade e evitando, porque não?, a dependência extrema de subsídios. A regra é, porém, o esquecimento iterado. Opondo-se à decadência cultural da cidade, poucos. Lembremos, por exemplo, o esforço invulgar que vem sendo posto na programação cultural da FNAC ou no mensário de actualidade literária “Os livros ardem mal”, co-organizado pelo TAGV e pelo Centro de Literatura Portuguesa da UC.
Perante a indiferença, o desinvestimento e, sobretudo, a vacuidade babélica das políticas culturais da CMC, remanesce o desalento das mãos estendidas. A cultura, em Coimbra, sobreviverá definhando na melancolia do abandono institucional. Mas os conimbricenses reconhecem os culpados, a vaga de repúdio é implacável.
(* Por lapso, a crónica saiu no jornal com o título "Crítico literário".)
(Jornal de Notícias, 13 de Fevereiro de 2008)*
A cultura em Coimbra não há-de baquear como um rei vencido num tabuleiro de xadrez; não há-de cair ou declinar perante o reiterado filistinismo programático da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). E mesmo que caísse (agouro inadmissível), já teria arrojado um mobilizador grito de sedição e revolta. Os conimbricenses, e não só, arregimentaram-se em redor de um texto (“Pelo Direito à Cultura e pelo Dever da Cultura!”) que denuncia a inépcia das políticas culturais para a cidade promovidas pela CMC, pelo seu Presidente e, sobretudo, pelo seu Vereador da cultura. O manifesto desafia os cidadãos e a cidadania possível: mais de mil pessoas já o subscreveram (e leram). Entreteceram o seu nome ao desassossego e aos anseios expressos numa declaração que é já o avatar de uma outra, publicada em 2005.
Entretanto, a cultura resiste como pode, praticamente sem ajudas financeiras da autarquia. Emulando o Teatro Pobre, inspirado pelo polaco Jerzy Grotowsky, despojado de figurinos e cenário, de luz e de música (e até de texto), o refúgio da cultura é a “pobreza”; o estado de penúria material (mas não espiritual) que, se por um lado, coarcta a capacidade logística dos vectores culturais, por outro lado, força e instiga a criatividade e mitiga a “servidão” perante o poder que “paga” a lealdade e a complacência dos artistas e dos agentes culturais através do mecenato institucional.
Partir sem reunir alimento para a jornada é ingenuidade de andarilhos amadores. Quanto aos profissionais, a história é outra. Sem alternativa, cedem perante o despotismo do metal vil: para sobreviver carecem de dinheiro e este tem que vir de algum lado. Os mais expeditos safam-se, entre subsídios e esmolas de circunstância. Ou arranjam mecenas em troco da peregrinação e das promessas implícitas. Os mecenas sempre tiveram um papel crucial no fomento da Cultura e das artes. Leonardo, que não era nenhum burro, sabia-o. Tiepolo e Cranach também. E outros que seria fastidioso enumerar.
Em Portugal, a tradição de mecenato privado (aristocrático ou burguês) não existiu nunca. O patrocínio da cultura é feito, quase em exclusivo, pelo Estado e pelas autarquias. Em Coimbra deveria cumprir-se a norma: a cultura orçamentada pela Câmara com uma estratégia cultural pragmática e bem delineada; acautelando o bem-estar dos agentes culturais da cidade e evitando, porque não?, a dependência extrema de subsídios. A regra é, porém, o esquecimento iterado. Opondo-se à decadência cultural da cidade, poucos. Lembremos, por exemplo, o esforço invulgar que vem sendo posto na programação cultural da FNAC ou no mensário de actualidade literária “Os livros ardem mal”, co-organizado pelo TAGV e pelo Centro de Literatura Portuguesa da UC.
Perante a indiferença, o desinvestimento e, sobretudo, a vacuidade babélica das políticas culturais da CMC, remanesce o desalento das mãos estendidas. A cultura, em Coimbra, sobreviverá definhando na melancolia do abandono institucional. Mas os conimbricenses reconhecem os culpados, a vaga de repúdio é implacável.
(* Por lapso, a crónica saiu no jornal com o título "Crítico literário".)