depoimentos: Maria João Simões

Urge uma política cultural corajosa e decidida

Há mais de 28 anos que oiço falar na construção de um edifício próprio para alojar condigna e adequadamente o Conservatório de Música desta Cidade! Como é possível que uma cidade como Coimbra não tenha tido a vontade de levar a bom termo este projecto? Esta interrogação angustia-me terrivelmente e não consigo compreender como é que esta angústia não é partilhada por quem ocupou ou ocupa um lugar decisivo no poder cultural desta cidade. Se não cuidarmos da educação musical, da educação teatral, da educação física e, em geral, da educação artística dos nossos jovens como poderemos esperar que eles no futuro aqui queiram ficar?
Em 1841, Garrett escrevia “ O teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há. Não têm procura os seus produtos enquanto o gosto não forma os hábitos e com eles a necessidade.” Se nós não criarmos nos nossos jovens e nas nossas crianças o gosto pelo teatro, pela dança, por qualquer arte, que procurarão eles e elas então mais tarde?
Raul Brandão dizia que para haver bons actores era preciso trabalhar muito: “Trabalhar, passar a vida a estudar, gastar meses para ver um tipo, para dizer com simplicidade.” Onde poderão os nossos actores aprender o seu trabalho? Em que escolas? Que público terão se não desenvolvermos o gosto pelo teatro?
Já num texto anterior chamei a atenção para a necessidade de encararmos resolutamente o desafio que as mudanças sociais de hoje impõem à nossa vida social. Na verdade, a sociedade de hoje tem tendência a privilegiar a vivência citadina, sacrificando (a maior parte das vezes de modo drástico e redutor) a cultura popular e o ambiente cultural da aldeia. Porém, esta mesma sociedade esquece-se de criar espaços e mecanismos que substituam a coerência e a coesão vivencial e estética desses pequenos mundos que eram (e ainda são) as aldeias. A vida na aldeia criava os seus espaços e momentos necessários de lazer em estreita ligação com a criação artística e a vivência estética, onde a música, a dança e o elemento decorativo eram fundamentais.
Ora, se a sociedade muda, e se hoje vivemos numa aldeia global, de nada nos serve ficar a contemplar o passado com saudade – necessitamos, isso sim, de criar uma nova orgânica para esses momentos de vivência estética (associados ou não ao lazer), onde o passado possa ser projectado para a actual e futura (sempre inacabada) construção da nossa identidade cultural.
Neste sentido, é imprescíndível criar escolas complementares de música, de dança, de desenho (e outras) que cresçam lado a lado com o desenvolvimento dos diversos desportos, de modo a preencher os nossos momentos de lazer. Fazem-nos faltam bandas de música, pequenas e grandes orquestras e escolas de música, não só para os jovens, mas também para a terceira e a quarta idade, e mesmo, para toda a população activa, sempre carente de um momento que lhe alegre a pesada vida.
Devemos, pois, considerar com especial atenção pelo menos dois grandes grupos sociais: os jovens até aos 20 anos e os menos jovens dos 65 até aos 85 anos. São 40 anos da nossa vida que necessitam de um grande investimento cultural. De facto, se a longevidade é uma conquista da sociedade moderna, torna-se premente pensar como poderá ocupar o seu tempo e tornar-se socialmente interventiva a nossa terceira idade. E ninguém nega que é urgente também ocuparmos a nossa juventude com cativantes actividades culturais e desportivas.
Leio nos jornais a polémica sobre o Ensino Integrado da Música para alunos do 1º ciclo que, sob uma etiqueta de pretensa democratização do ensino da música, faz diminuir a importância dos Conservatórios de Música. É claro que é bem-vinda uma generalização do ensino da música nas escolas, mas ela é falaciosa se não preservar a ideia da necessidade absoluta de escolas e espaços especiais para o ensino da música. Os espaços específicos não são supérfluos, são fundamentais; porém, são caros. É esta uma das razões por que é tão “demorada” a construção de um espaço apropriado para a arte musical, seja ele uma Casa da Música, seja um simples Conservatório de Música — trata-se de uma construção que envolve custos significativos. Mas, não nos deixemos enganar por demagógicas pretensões democráticas — também o ensino supletivo da música deverá continuar a ser apioado e desenvolvido, pois nem todos têm jeito ou apetência para a música. O que está mal não é a existência do ensino supletivo da música — o que está mal a inexistência ou falta de outras escolas artísticas específicas; o que está mal é o fraco e mal articulado desenvolvimento de outras actividades artísticas e desportivas. Uns gostam de música, outros de pintura, outros de teatro, outros de dança, etc. — para todos deveríamos ter uma resposta.
Por tudo isto, sinto como urgente o delinear de uma política cultural que se concretize num corajoso e decidido investimento em novos espaços culturais específicos sem os quais a definição de uma política cultural não passará do papel.
Cidade do Conhecimento? Como? Sem coragem e sem concretizações decididas?


Subscrevo inteiramente a indignação perante a falta de uma corajosa política cultural em Coimbra

M. João Simões