«Estamos aqui em defesa dos que fazem cultura em Coimbra», começou por dizer Abílio Hernandez, moderador do debate, perante um público que preencheu quase todos os lugares do TAGV. O debate subordinado ao tema “Cidade, arte e política – o valor estratégico da cultura” debateu o papel da cultura na cidade e foi organizado pelos assinantes do manifesto “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura”, apresentado no passado mês de Janeiro.
O ex-presidente da “Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003” defendeu que existe oferta cultural na cidade, mas acusou a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) de não desenvolver uma política na área. «A autarquia tem mesmo uma política anti-cultural. Gostaríamos que a câmara estivesse aqui, mas não está, e não é fácil manter um diálogo com uma parede», acrescentou.
O professor universitário e ex-director do TAGV salientou que os agentes culturais «fazem um serviço público à sociedade, como um médico ou um padeiro». «As cidades são cada vez mais iguais e é a cultura que as distingue uma das outras», apontou.
O professor e economista José Reis foi o segundo a intervir. «A CMC ambiciona a pacatez e por isso Coimbra está a desperdiçar o potencial que tem na cultura», afirmou. O ex-secretário de Estado do Ensino Superior falou sobre a relação profunda entre metrópoles e as manifestações culturais. «Cada vez mais as actividades culturais são uma fonte de conhecimento e emprego das cidades», observou.
«O papel de Coimbra no país está ameaçado, as políticas públicas são desfavoráveis e a imagem que projectamos de nós próprios e das nossas instituições não é a melhor», disse. Para o economista, «a cultura não é um problema, mas parte da solução da requalificação das cidades».
Já José António Bandeirinha, pró-reitor para a Cultura da Universidade de Coimbra, deu como referência o exemplo espanhol: «Lá, as mesmas pessoas que estão no campo de futebol e na praça de touros estão nos grandes halls culturais. Não há cultura de oposição, há oferta e as pessoas vão a tudo». «Em Coimbra a cultura tem de ser integrada na política da cidade, não pode ser vista como um lixo», explicou.
O painel de oradores foi completado pela socióloga Paula Abreu, que considerou que em Portugal as práticas culturais «estão limitadas por aquilo que é difundido pela televisão e rádio» e acusou a CMC de ter «medidas desarticuladas, sem qualquer política na cultura».
A professora universitária alertou que «as autarquias locais não podem atirar a responsabilidade para o Estado» e considerou que Portugal «está alheado e fechado ao debate cultural há muito tempo».
O encontro contava inicialmente com a presença de Manuel Maria Carrilho, mas o deputado socialista e ex-ministro da Cultura esteve ausente devido a doença. António Pedro Pita, director Regional da Cultura do Centro, também esteve ausente, devido a uma reunião em Lisboa.
Debate muito participado
Os cidadãos de Coimbra (principalmente pessoas ligadas à universidade e a instituições culturais) foram sensíveis ao debate de ontem e marcaram presença em peso no Teatro Académico de Gil Vicente. As posições em torno da relação da cidade com a cultura foram diversas.
Ana Pires, ex-delegada do Ministério da Cultura em Coimbra e presidente da ProUrbe, apelou para «a resolução de conflitos em matéria cultural, como aqueles que envolvem espaços como o Teatro da Cerca de São Bernardo, o Centro de Artes Visuais ou o Museu de Transportes». «Queremos que os planos financeiros também sejam cumpridos pela câmara», apelou.
Claudino Ferreira, professor da Faculdade de Economia da UC, considerou que a cultura «tem um valor próprio antes de ter um valor estratégico» e concluiu que «quem lida com a cultura na cidade, como a autarquia, gosta pouco da cultura».
Já Luís Reis Torgal, professor catedrático na Faculdade de Letras, afirmou que o documento “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura” devia ter sido «mais amplo e consensual». «Esta cidade bate-se muito pouco pela cultura. Matou-se o [cine-teatro] Sousa Bastos e o Avenida e criaram-se centros comerciais», apontou.
Luís Quintães contestou o facto de a mesa de oradores ser constituída na íntegra por professores universitários. «Dá ideia que a cultura erudita se quer impor à popular, à que vem do povo», protestou.
Durante o período de debate, Abílio Hernandez foi questionado sobre o facto de o relatório de “Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003” nunca ter sido revelado publicamente. O ex-director do evento defendeu-se, afirmando que foi entregue ao ministro da Cultura (na altura Pedro Roseta). «Não compete a mim publicar o relatório. Eu nem sei bem se o ministro de então ou se algum ministro da Cultura o leu. Nunca fui chamado a discutir o relatório e se calhar não teve importância nenhuma para ninguém», ironizou.
O Diário de Coimbra procurou entrar em contacto com o vereador da Cultura da CMC, Mário Nunes, para obter reacções às críticas feitas à autarquia durante o debate, mas tal não foi possível.
Depois do manifesto e do debate… Que futuro?
Isabel Craveiro, da direcção do Teatrão, apelou a que o manifesto “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura” e o debate ontem realizado tivessem seguimento.
«Somos responsáveis por uma política cultural e não podemos ficar à espera que a câmara o faça. Lanço o desafio para que se façam propostas concretas para uma política na área da cultura», disse. A responsável apelou à articulação entre estruturas culturais e sugeriu a formação de grupos de trabalho, onde se juntariam instituições ligadas a todo o tipo de manifestação cultural.
O moderador do debate, Abílio Hernandez, não partilhou a mesma opinião, considerando que «não se pode exigir que os agentes culturais façam uma política cultural, mas pode exigir-se à câmara que o faça».
Após o encontro, Abílio Hernandez afirmou que, para já, não estão programadas mais iniciativas. «Os agentes culturais não têm que ser governantes da cultura, não queremos substituir o papel da câmara, procuramos antes que ela assuma responsabilidades», disse.
Bruno Vicente, Diário de Coimbra, 21 de Fevereiro de 2008.